‘Rascunhos’ para uma uma nova arte
Estava cobrindo o Savassi Festival quando tive o privilégio de assistir a primeira audição da ‘suite’ Rascunhos composta pela pianista Louise Wooley e apresentada pelo seu quinteto. Uma obra instigante e criativa que foi lançada um ano e meio depois pelo selo de vaguarda instrumental Blaxtream. Essa é uma entrevista que mesmo em meio a esse tempo sombrio, nos traz um alento e uma esperança de que a nossa arte continua firme e instigante.
Wilson Garzon – Como surgiu Rascunhos? Quanto tempo levou para finalizar as oito composições?
Louise Wooley – A ideia dos Rascunhos surgiu quando o Bruno Golgher, produtor e curador do Savassi Jazz Festival, me convidou pra fazer parte do projeto Música Nova. Nesse projeto, ele convida alguns músicos por edição, para que cada um componha um novo repertório, especialmente para o festival. É uma iniciativa maravilhosa, porque não é comum no Brasil ter uma obra comissionada com total liberdade para compor. Eu não lembro exatamente quanto tempo demorei para terminar a série Rascunhos, mas entre o convite do Bruno e a estreia do repertório, na edição de 2018 do Savassi, se passaram uns seis meses.
Foi algo novo para mim, compor por encomenda. Aí, logo depois do convite, fiquei um pouco aflita e pensei não posso esperar por uma inspiração (embora acredite quase nada nessa tal inspiração divina, de qualquer maneira rsrs). Mas eu tinha um prazo. Aí peguei uma folha em branco e escrevi Rascunho 1, depois Rascunho 2 e no fim acabei mantendo o nome. Depois surgiu o convite do selo Blaxtream e daí gravamos o disco Rascunhos no final de 2019. Fiz alguns ‘rascunhos’ que não entraram pro repertório e outros que fiz depois do show do Savassi e gravei no disco.
WG – O que diferencia um Rascunho de outro? Conte-nos um pouco sobre o processo dessa criação.
LW – Cada rascunho eu parti de uma ideia diferente. Alguns poucos eu fiz o processo parecido com o que fazia antes (nos outros discos), que era cantar uma melodia e a partir disso ir atrás do resto. Não a melodia inteira, às vezes só um motivo que depois, desenvolvendo, acaba aparecendo só lá no meio da música. Mas é muito limitado ficar dependendo de aparecer um motivo melódico assim, do nada, pra compor.
Claro que nunca é do nada, por isso digo que não gosto muito desse papo de inspiração divina (rsrs) mas, enfim, às vezes pode parecer que é, se você não estiver atento aos próprios processos. Nesse disco fui pensando outros processos. Pensar numa linha de baixo simétrica, como é o Rascunho 1, por exemplo, e a partir disso desenvolver a harmonia e a melodia. Enfim, são muitas possibilidades. Uma época tive aula com um grande músico/compositor/arranjador e amigo, o Carlos Iafelici, e ele me apresentou o livro Modal Jazz Composition, do Ron Miller. Ali tem muitas ideias interessantes de ferramentas para compor e nessa época pré – Savassi pensei muito nesse livro.
WG – Do grupo que tinha trabalhado em Ressonâncias, as diferenças foram a inclusão de Danilo Silva (violão) e um espaço maior para Diego Garbin e Lívia Nestrovski?
LW – Basicamente, sim… Mas o Paulo Malheiros, grande amigo, trombonista e arranjador, gravou o Ressonâncias e não gravou esse. O Malheiros e o Danilo gravaram meu primeiro disco, de 2013, que nunca coloquei nas plataformas digitais por desorganização minha (e porque na época acho que nem tinha Spotify e afins), mas vou colocar em breve, prometo! rsrs
WG – Como transcorreu os processos de gravação e masterização? Quem participou?
LW – Nós gravamos o disco na Gargolândia e quem fez toda a captação, mix e master foi o Tiago Monteiro, idealizador do selo Blaxtream, a quem sou absurdamente grata. (a ele e à Thalita Magalhães, produtora e também idealizadora do selo). Primeiro, a Gargolândia é o estúdio dos sonhos! O estúdio fica numa fazenda em Alambari, interior de São Paulo. Passamos 3 dias naquele lugar maravilhoso, melhor clima do mundo, sem ter que pegar trânsito para ir e voltar do estúdio, como seria em SP, etc…
Segundo, que o Tiago é uma das pessoas mais competentes que conheço. Você grava um take e o som da técnica (e do fone tb) já parece a do disco rsrs. Como ele lança quatro discos por edição do Blaxtream e faz tudo sozinho (captação, mix e master), acaba sendo muito corrido. Ele me mandou um versão da mix dias antes do lançamento e nem mexi em nada, nem ouvi a master, porque confio nele, e o resultado do disco foi o melhor que eu poderia imaginar. Fora a parte técnica, não posso deixar de destacar a importância de cada um dos músicos que gravou comigo: Bruno, Danilo, Daniel, Diego, Jota e Lívia*. Todos são amigos/ irmãos, músicos que admiro absurdamente e que construíram a sonoridade dos Rascunhos junto comigo.
WG – Quanto ao processo de divulgação do cd, o que foi feito antes da pandemia? Nesse atual cenário das ‘lives’, você pensa em ‘Rascunhos’?
LW – Conseguimos lançar o disco antes da pandemia, no Sesc Pinheiros e no Sesc Ribeirão Preto. Depois, obviamente, todos os planos foram cancelados, mas isso é o de menos perto do que acontece no mundo. Quanto às lives... eu ainda não fiz nenhuma rsrs. Não sei se na pergunta você se refere ao “rascunhos- disco” ou aos “rascunhos- composições em geral”. Não tenho pensado muito no disco e no que fazer depois que tudo isso passar (espero que passe, né…).
Tudo é tão incerto que só estou pensando em manter a sanidade mental rsrs. E a parte de pensar nos rascunhos-composições, aí sim, me ajuda a manter a sanidade. Não sou uma pessoa muito produtiva, se pensarmos nos moldes da sociedade, meus processos são longos e muitas vezes confusos. Mas continuo estudando e compondo, na medida do meu possível. Fiz um rascunho novo semana passada, quem sabe eu não faça um vídeo, à distância, com a formação do disco.
WG – Você acredita que daqui para frente haverá menos shows e mais ‘lives’? Mais investimento e tecnologia nos eventos a serem transmitidos ao vivo? Ou tudo voltará a ser o que era, de uma forma gradual?
LW – Sinceramente, espero que tudo volte uma hora. Pode ser que apareça novas tecnologias, e isso é ótimo. Mas uma coisa não substitui a outra, nem de longe. Não dá pra comparar tocar ou assistir um som ao vivo, toda troca que acontece ali…
WG – Que contatos você tem com o jazz que se faz na América Latina? Pretende realizar trabalhos em comum?
LW – A música na América do sul é um universo de coisas, tantos ritmos e linguagens diferentes, confesso que tenho muito o que aprender em relação à música dos países vizinhos. Tive a oportunidade de tocar meu trabalho na Argentina e no Uruguai, apenas, acho que na época do meu primeiro disco. Conheci muitos músicos incríveis nesses lugares e continuo conhecendo pela internet muitos trabalhos maravilhosos. Infelizmente nunca fiz um projeto com músicos de outro país da América do sul, mas seria maravilhoso se um dia isso acontecesse.
*Louise Woolley (piano), Daniel De Paula (bateria), Bruno Migotto (baixo), Diego Garbin (trompete e flugel), Jota P (sax), Lívia Nestrovski (voc) e Danilo Silva (guit acústica).
Gravado em 2019, Agosto, dias 24 a 26 , Estúdio Gargolândia – Alambari.
Gravado e Mixado por Thiago Monteiro
Produção Executiva: Thalita Magalhães