Entrevistas

Robin Eubanks: “tocar músicas diferentes é como falar línguas diferentes”.

Robin Eubanks ainda se lembra hoje daquela noite, há 40 anos, em Nova Iorque, quando Art Blakey, o líder dos Jazz Messengers (o grupo onde se formaram gerações de músicos), deixou-o sozinho no palco.

Fernando Ríos, infobae.com.ar, 01/10/2023

No meio do show foi a vez do trombonista se exibir, então com pouco mais de 20 anos. Eubanks abordou seu solo com firmeza e uma torrente de improvisações vertiginosas invadiu o espaço. Depois de alguns minutos, ele diminuiu a intensidade de sua apresentação para se juntar ao resto da banda. Mas ele só encontrou o silêncio. E só então percebeu que estava sozinho no meio do palco. Forçado, ele continuou tocando, até que minutos depois Blakey ordenou que os músicos voltassem.

Naquela noite o Art me ensinou a tocar”, conta hoje ao Infobae Cultura , mais de 40 anos depois daquela noite crucial e prestes a retornar à Argentina para dar quatro shows no Bebop de Palermo, entre 6 e 7 de outubro, com formação local liderada por Mariano Loiácono.

Entre es se início e este presente, Eubanks construiu uma carreira invejável, que incluiu shows e gravações com músicos tão diversos como Sun Ra, Geri Allen, McCoy Tyner, Stevie Wonder, Dave Holland, Talkings Heads, BBKing e até os próprios Rolling Stones; paralelamente à liderança de bandas próprias, com as quais gravou uma dezena de discos.

 

 

 

ENTREVISTA

—Sua mãe Vera foi a primeira professora de piano de Kenny Barron, uma das fundamentais, e há muitos músicos em toda a sua família. Você poderia ter sonhado com outra profissão nesse contexto?
—Bem, para falar a verdade, quando eu era jovem queria jogar beisebol. Mas minha mãe me disse “você vai ser músico ” . E ele estava certo. Hoje, depois de tantos anos, não me arrependo nem um pouco de ter ouvido minha mãe.

—Ele tocou com inúmeros músicos e em gêneros totalmente diferentes. Como ele se adapta a tantos contextos de jazz diferentes?
—É como falar línguas diferentes. É como se eu, que falo inglês, também pudesse me expressar livremente em espanhol, italiano ou qualquer outra coisa. Quando você estuda idiomas você tenta aprender tudo o que precisa para se expressar. E a mesma coisa acontece com a música. Se vou tocar com um grupo de rock, me posiciono na linguagem do rock. Eu levo tudo que preciso para estar naquele lugar. A mesma coisa que faço com jazz ou blues. Afinal, a música ocidental tem 12 notas. E devemos usá-los para transmitir a nossa mensagem, mas cada um à sua maneira.

—Você também tem uma importante carreira como compositor. A sua visão tem a mesma amplitude musical aí ou está mais concentrada no jazz?
—Quando componho só penso no que quero fazer. Nada mais me distrai. Possivelmente, minhas músicas têm algo de tudo que toquei. Um pouco de blues, um pouco de rock, funk ou jazz. É como quando você coloca temperos na comida. Mas nem acredito em métrica musical. Eu começo a cantar. Eu me gravo e então, quando me escuto e escrevo, determino em que métrica está.

—Você compõe com trombone ou prefere o piano neste caso?
—É uma combinação de tudo. Mas o principal para mim é o que canto. Depois, quando transfiro para o computador, adiciono as linhas de baixo e bateria. Eu faço um loop e começo a cantar aquela melodia. Depois vou para o piano ou coloco o trombone. Estou construindo a partir daí.

—Quanto aos músicos com quem tocou, a sua participação mais antiga foi com David Holland, com quem conviveu cerca de 15 anos. A que você atribui uma participação tão prolongada?
—Era uma banda muito popular. Especialmente quando estávamos com Chris Potter, Steve Nelson e Nate Smith. Fizemos muitos shows e viajamos por todo o mundo. Foi realmente muito divertido e nos divertimos muito. Mas comecei com Dave antes disso. Comecei no início dos anos 90. Estava no sexteto e também na big band. Foram projetos diferentes e tive a sorte de estar em todos eles.

 

 

—Ele estava em Buenos Aires com esses grupos. Mas agora ele chega como líder com proposta própria. O que você pode nos contar sobre seus shows na Argentina?
—Sim, eu estava em Buenos Aires, quando terminava o governo de (Fernando) De la Rua. A semana dos cinco presidentes. Foi tremendo. Também tinha ido dar aulas em La Plata e não entendia nada. Pessoas nas ruas quebrando janelas, jogando pedras nos bancos. Tive que sair e não consegui recolher nada do que tinha feito.

—Foram dias difíceis. Agora você certamente terá uma experiência melhor…
-Sim certamente. Faremos um bom show com Mariano e seus músicos no Bebop. Vamos fazer alguns standards, um pouco de funk e algumas músicas minhas para o público argentino.

—Revisando sua discografia como líder, me chama a atenção seu álbum ao vivo de 2007, onde há músicas onde você ouve um trombone intervindo. Essa modalidade ainda funciona?
-Sim, claro. Lá coloco um microfone na campânula do trombone e depois encaminho para um computador ou uma máquina de efeitos, onde ele configura diversos sons. Às vezes soa como uma guitarra ou um baixo. Se eu der mais atmosfera, ele terá um som diferente. Eu processo esses sons de acordo com o que quero expressar.

—Nesse mesmo álbum tem uma música sua: “Blues for Jimmy Hendrix”. Não é tão comum um músico de jazz prestar homenagem a um músico de rock, mesmo que ele seja uma figura tão importante quanto ele. O que motivou você a compô-lo?
—Eu ouvia rock e funk muito antes de tocar jazz. Então hoje, quando toco, entendo que sou fruto de muitas influências musicais, não só do jazz. Não pretendo soar como JJ Johnson ou Slide Hampton , porque nunca conseguiria isso. Eu quero soar como eu. E nesse sentido, o que componho representa a minha vida. O que eu ouvi. O que me formou. É isso que estou tentando escrever.

—Você é professor em diversas instituições de nível universitário. Mas a sua geração não aprendeu o ofício nas salas de aula. Como os grandes professores com quem você brincou ensinaram?
—A comunicação foi toda musical. Eles não deram conselhos. Era preciso ouvi-los, brincar e ficar atento ao que estava acontecendo. Com Elvin Jones, por exemplo, tudo era muito rítmico. Na fluidez rítmica. Mas com Blakey aprendi como moldar o solo. Como contar uma história. Uma noite em Nova York estávamos tocando com o grupo e chegou a parte em que eu fiz meu solo principal. Eu fiz isso e em determinado momento baixei a intensidade para que o resto pudesse entrar e ninguém entrasse. Eu me viro e vejo que estava sozinho no palco. Todos eles se foram. Tive que continuar jogando até eles voltarem. Essa foi uma grande lição para mim. Aprendi que você pode jogar absolutamente sozinho. Acho que vamos repetir essa experiência em Buenos Aires, porque é uma das coisas que mais gosto de fazer.

—E como você imagina o futuro do jazz a partir dessas novas gerações educadas nas salas de aula?
—É verdade, hoje ensinamos de forma diferente. As universidades treinam os músicos da maneira que desejam que toquem. Como se fosse um molde. Eu não concordo com isso. Quero que o aluno encontre seu próprio som. Para isso, o jazz deve ser ensinado a partir da tradição, mas não devemos fechar as portas a outros géneros que estão próximos. Isso faz parte da vida dos jovens. E, em última análise, farão com que o jazz tenha uma vida mais longa.

 

 

Robin Eubanks Septeto: Robin Eubanks (trombone), Mariano Loiácono (trompete), Gustavo Musso (sax alto), Sebastián Loiácono (sax tenor), Mauricio Dawid (contrabaixo), Sergio Verdinelli (bateria)
Duplas, aos 8 e 10 :45h. na sexta-feira, 6 de outubro, e no sábado, 7 de outubro, no Bebop Club (Uriarte 1658, Palermo, CABA). Ingressos à venda, pelo site do clube ou na bilheteria, de terça a domingo, das 17h às 20h00.