Argentina

Rodrigo Domínguez Trio apresenta ‘Bicho Bolita’

Sétimo álbum do saxofonista portenho Rodrigo Domínguez em seu nome, segundo pela Ears&Eyes Records e primeiro desde sua mudança para a Patagônia, Bicho Bolita foi gravado para retratar a inércia musical que foi gerada com este trio a partir de alguns shows em Buenos Aires, em Bariloche e no jazz Osorno festival, Chile. O trio é completado pelo baterista Fermín Merlo e pelo pianista Nataniel Edelman.

Domínguez participa ativamente da cena jazzística portenha desde o final dos anos 90, tendo gravado dezenas de discos com os mais importantes jazzistas argentinos. Ele foi integrante do Quinteto Urbano, seminal grupo do jazz argentino contemporâneo. Ele gerou e participou de muitos projetos ao longo dos anos, fez amplas turnês pelas Américas e pela Europa e colaborou com artistas internacionais em diversas instâncias.

Durante o segundo ano de pandemia, emigrou para a cidade de Bariloche, na Patagônia argentina, e esse movimento gerou uma mudança em tudo o que fazia e sentia, inclusive, claro, a música. Este álbum reflete essas mudanças estéticas e conceituais de forma natural, ouve-se a busca por uma linguagem renovada, mais refinada, mais refinada e ao mesmo tempo mais lúdica e descontraída. Esta procura é apoiada pela escolha de músicos jovens que trazem uma nova energia, embora já com uma linguagem completamente desenvolvida e madura.

Nataniel Edelman é um pianista soberbo, com raro equilíbrio sonoro e rítmico, grande imaginação harmônica e ideias incessantes. Nos últimos anos desenvolveu uma linguagem própria, formada por uma variedade de influências do jazz e da música acadêmica, tendo gravado vários álbuns como líder, tendo a colaboração de músicos como Michael Attias e Michael Formanek. A sua colaboração com Domínguez já dura vários anos.

Fermín Merlo é um dos bateristas mais criativos da cena atual. Filho de Hernán Merlo, lendário contrabaixista argentino, desde muito jovem teve a oportunidade de tocar com os músicos que fervilhavam pela casa, desenvolvendo assim uma abordagem permanente de tocar. Fermín começou a tocar com Rodrigo desde muito jovem, o que fez que eles desenvolvessem um relacionamento muito forte.

 

 

Bate Papo com Domínguez

Wilson Garzon – Antes de falarmos sobre ‘Bicho Bolita’, como vc analisaria seus últimos trabalhos gravados: ‘Igual’, ‘Hormigombres’ e ‘Borocotopo’?

Rodrigo Domínguez – Uma vez passado esse tempo, acho esses meus trabalhos bem interessantes! Às vezes porque eu esqueço das intenções ou dos erros ou dos detalhes do que não gostei e agora consigo enxergar em profundidade. Esses três trabalhos são bem diferentes por causa do pessoal.

. Igual (2018) tem várias músicas das quais eu gosto da composição, que foram criadas pensando nos músicos do quarteto, bem familiares com a minha linguagem musical. É um disco com muito foco na composição (Rodrigo Domínguez: saxes alto, tenor & soprano, Ernesto Jodos: piano, Jerónimo Carmona: contrabaixo e Carto Brandán: batería);
.Hormigombres, é uma joint-venture com o trompetista Valentín Garvie, já é outro tipo de proposta, sendo gravado ao vivo, com um grupo de músicos fantásticos de Mar del Plata (Julian Maliandi, Nicolás Pasetti e Luciano Monte). Músicos esses com os quais já tínhamos tocado juntos, durante anos. Daí, então, a música ficou bem solta;
Borocotopo foi um disco muito distinto, porque eu toquei só sax alto, e acompanhado pelo baixo elétrico do Mariano Otero, tão especial, e o estilo deles tocando juntos tão maravilhoso e mágico, foi também outra coisa. Alias tem nesse disco algo de brincadeira, que acho que consegui no disco novo também.

WG – Quando chegou a pandemia, porque escolheu morar em Bariloche? Foi uma decisão afetiva e familiar? Como era a cena jazzística de lá?

RD – Foi uma decisão que ainda não terminei de compreender. Uma aventura, um salto ao vácuo, sem certezas. Só conhecia alguns músicos Em Bariloche, não tem muita cena jazzística, embora esteja se formando aos poucos. Não foi uma decisão profissional. E um mistério ainda! Aqui a vida é muito distinta, mais tranquila e saudável.

WG – Quando você decidiu gravar Bicho Bolita,  você já tinha uma ideia sobre esse novo trabalho ela surgiu espontaneamente? Você já tinha gravado para o selo ‘Ears & Eyes’?

RD – A ideia nasceu de um concerto que fiz com o Sergio Verdinelli (bateria) e Nataniel Edelman (piano) substituindo a Mariano Otero (baixo), em um festival. Logo depois veio outro festival e o substituído foi Sergio (ambos por  razões distintas e não musicais). Aí rolou uma formação muito boa, fizemos mais algumas apresentações em Bariloche e no Chile, e então, ficamos prontos pra gravar. O disco anterior, Borocotopo, já tinha saído pelo selo Ears&Eyes. Matthew Golombisky é um grande produtor, músico sensível e um querido amigo.

WG – Duas composições, Impro 3 e Impro 4, estão no álbum. Por acaso elas pertencem a uma série Impro?  Porque foram escolhidas essas duas?

RD – Não me lembro; fizemos algumas improvisações no estudo, porque é parte da linguagem do trio, e gostamos dessas que ficaram. Aliás, achei misterioso deixar os números originais, ao invés de colocar outros nomes nelas. Fiz bem?

WG – Num festival em Buenos Aires, eu assisti você improvisando ao mesmo tempo que artistas plásticos pintavam. Em Polenta Mágica, tem também uma viagem improvisativa em torno da culinária?

RD – Hahaha… pode ser uma ideia boa! de fato, tem uma música que gravamos mas por problemas técnicos ficou fora do cd, chama-se “cómo como“, tocamos ela ao vivo; e será gravada no futuro. Mas pode ter parte da coisa culinária! Na verdade, esses títulos tem mais a ver com coisas da infância.

WG – Em relação a Rota, existe alguma citação do próprio Nino Rota ou é uma viagem dentro do mundo desse grande compositor?
RD – Só uma vaga referencia ao estilo, algo italiano, da melodia. Não tem citação. Nem sou muito versado na musica dele (embora tenho escutado muita coisa), mas adoro!

WG – Sobre ‘De la mano‘ e ‘Pareidolia‘, como esses temas foram criados?

RD –
De la mano
é uma melodia que faz referência a um amor infantil. É bem direto já que escrevi pensando nisso, o que não faço muito (em geral a música vem primeiro e as associações vem depois, se chegam em absoluto!) Essa música tem até letra! (mas é muito ruim, então eu guardo pra mim).
Pareidolia é um fenômeno muito interessante, que nos faz perceber rostos ou figuras conhecidas no abstrato, por exemplo, nas nuvens. É simplesmente uma progressão harmônica que o piano toca sem se preocupar com o que acontece no redor, e sax e bateria brincam em torno disso, sem levar a sério demais. De fato, a ideia é que os solistas não conheçam os acordes e desenvolvam um roteiro paralelo, que as vezes toca os contornos harmônicos, mas quase por azar.

WG – A escolha da sequência das músicas no álbum é aleatória ou tem algum parâmetro?

RD – Sempre trabalho organizando as músicas em sequência. Tem que funcionar como um todo coerente, como um concerto. Eu gosto disso, embora já não faça mais tanto sentido, pelo jeito das pessoas ouvirem música, em playlists, etc. Mas eu gosto!

WG – Em termos de divulgação como andam as coisas, Como se pode ouvir o Bicho Bolita?

RD – O disco se pode ouvir comprando ele no bandcamp do ears&eyes, pelo preço que vc puder pagar, não é fixo, mas só sugerido. É uma politica do selo que eu acho muito coerente. Não será disponibilizado em plataformas (os novos piratas inevitáveis) até pelo menos um ano após o lançamento. É uma politica que faz com que só seja escutado por pessoas que tem interesse, ainda com o risco de ficar coberto pela cachoeira de informação.

WG – Em relação ao seu futuro, já tem projetos pela frente?

RD – Tenho alguns. Um quarteto com grandes músicos chilenos, outro disco com Hormigombres, tournées com o trio, e várias tours pra tocar com gente diversa. Em Bariloche tenho também dois projetos funcionando, o Drop Dogs (com Hernan Hecht) em uma versão nova, e um trio com músicos locais muito novos e bons.

 

Rodrigo Domínguez