Argentina

Rata: a solidez criativa do Pipi Piazzolla Trio

Fernando Ríos, argentjazz.com.ar, 08/07/2019

Rata, o terceiro álbum do Pipi Piazzolla Trio (+ Lucio Balduini na guitarra e Damián Fogiel no sax), reafirma o que ficou evidenciado nos discos anteriores. Uma música original e criativa, com a solidez única de um grupo de três personalidades bem definidas. Às vezes acontece que a felicidade do artista não se expressa apenas por seu trabalho.

E que muitas vezes aqueles que cultivam uma arte abstrata, como música ou pintura, também precisam recorrer à palavra para expressar o que seu próprio trabalho gera. Pipi Piazzolla está mais do que feliz com Rata, o último registro de seu trio, e de forma alguma o oculta. “Estou muito feliz, não apenas pela gravação, mas também pela maneira como abordamos o projeto“, diz Pipi.

 

Fernando Ríos – Entre Arca Rusa, o primeiro álbum do trio e Transmutation, o segundo, dois anos se passaram. Mas agora, entre o segundo e  Rata, o tempo foi o dobro. Por que esses quatro anos sem um novo álbum do trio?
Pipi Piazzolla – Eu tive a oportunidade de gravar este disco várias vezes. Mas sempre acontecia alguma coisa, uma turnê era lançada ou uma série de shows e sempre a adiamos. Mas enquanto isso, o grupo continuou a se consolidar, continuando trabalhando, então talvez esse fosse o momento certo para editar este terceiro álbum …

FR – Em outras palavras, não havia urgência em ter um novo material.
PP – Não. A verdade é que tomamos a decisão com muito relax. Em cada show, tocávamos novos temas à medida que aparecia; não estávamos loucos por gravar. Por outro lado, o Escalandrum estava muito ativo nesses anos, o que nos fez colocar o trio um pouco de lado, como se fizesse parte de um processo um pouco mais lento. Mas o trio nunca parou, foi apenas uma questão de tempo. Eu levo as coisas com calma e as coisas foram assim. Tenho em mim que o grupo principal continua sendo o Escalandrum. Mas eu ainda digo, que, manter um trio que também lançou três álbuns, não acho que seja pouca coisa…

FR – Além disso, ao longo desses três álbuns, você também manteve um nível interessante como compositor. Como você define que, quando você cria um tema, ele vai para o Trio ou Escalandrum?
PP – Eu sempre componho para o trio. A verdade é que não me sinto capaz de compor para Escalandrum. No grupo, existem grandes compositores e a orquestração é diferente. Meu nível de compositor é um pouco mais simples e pode ser adaptado bem a um trio. Então, se eu coloco no trio todas as fichas de compositor, aplico um pouco da minha experiência como pianista, com o que aprendi na infância e reuno os temas. Esse é o meu método, sempre a partir de uma melodia, de algum padrão melódico que, em seguida, envolvo com idéias ou outras coisas em que estou trabalhando naquele momento.

FR – Mas você também contribuiu com algum tema seu para o repertório de Escalandrum
PP – Só coloquei Lolo, é apenas um. Também não é tanto assim (rsrs). Mas foi legal e isso me incentiva a fazer outro em outro momento …

FR – E em relação a Lolo, que foi lançado em vários álbuns e que também está presente no segundo álbum do trio, Transmutation?
PP – O que fiz em Transmutation com Lolo foi tocá-lo com um groove super transmutado. Ele estava armado com alguns sietesillos e quintillos dentro de um 7/4, uma coisa bastante complexa. Então, ouvindo à distância, não fiquei muito feliz com o resultado final. Algum tempo depois, Nicolás (Guerscheberg) me disse que gostaria de fazer um arranjo e que era finalmente a versão do Escalandrum. Eu gostei muito mais desse jeito e esse foi o que eu levei de volta ao trio. Embora não seja exatamente o mesmo no nível do grupo, mas no nível da interpretação, groove em geral. Eu acho que nesta última versão a riqueza melódica do tema é mais perceptível.

FR – Em Rata, você tem títulos como Monumental ou River Plate. No La Gallardeta anterior, em óbvia homenagem a Marcelo Gallardo. Conheço muitas pessoas que não olhariam com simpatia para esses títulos.
PP – Não, porque ?(rsrs). Só se ganha inimigos ou antipatias ao falar mal do outro. Eu não falo mal de ninguém. São simplesmente minhas experiências. Todo mundo sabe que eu sou torcedor do River, portanto, parece mais honesto colocar uma música Monumental e não procurar um título como O enigmático arco-íris do passado … (rsrs).

FR – E os títulos das músicas expressam essas experiências …
PP – Sim, claro. Eu sempre tento dar nomes aos meus temas que têm a ver com minhas experiências, como pessoa, como músico. Por exemplo, há Steve. Isso é engraçado, porque os bateristas acham que eu o dediquei a Steve Gadd e outros colegas acreditam que é dedicado a Steve Wonder (rsrs) … mas, na realidade, é dedicado a Steve Coleman. Mas parece que poucas pessoas o conhecem.

FR – E por que Steve Coleman?
PP – Porque sou fã dele desde a infância. Estou muito inspirado pelo jeito dele de tocar, de compor, de unir culturas. De construir bases que são muito complexas. Ele tem muito groove. Eu realmente gosto da carreira solo dele. Eu o sigo desde o seu álbum Black Science, e além do mais, realmente gosto do grupo Five Elements.


FR –
Falando em jazzistas americanos, em Arca Russa, você fecha com Evidence de Thelonious Monk. E agora você faz a mesma coisa novamente em Rata. O que o motivou a repetir esse esquema e quais diferenças uma versão da outra possui?
PP – Essa foi uma versão em que eu fiz um solo de bateria. Neste caso, há solos de todos nós, eu, Lucio e Damián. Bem, também é um tema “de abertura“dos shows. Com essa música, abrimos quase todos os shows. Eu pensei que era bom renovar esta versão.

FR – E em relação a Naima, de John Coltrane, que também está em Rata?
PP – É um dos meus temas favoritos de Coltrane. Uma balada inacreditável. E quando completou 50 anos da sua morte, eu disse a Lucio se ele sabia que Naima disse que sim. Então, eu criei aquela base que é quatro por sete que eu estava trabalhando e era muito boa. Parecia bom, parecia equilibrado. Então, Damian adicionou o seu. E assim, uma música que praticamente saiu de um teste de som, estava pronta para tocar.

FR – Pensando um pouco na estrutura do trio. Para você, quais são as vantagens de tocar sem contrabaixo?
PP – Em primeiro lugar, foi a busca por um som diferente. Eu sempre fui um baterista que gosta de ter controle da situação, de conhecer bem qual é a forma do tema, ser capaz de orientar o conjunto. E esse trabalho geralmente em grupo é feito a dois, baixo e bateria. Para mim, o baixo é a parte mais importante do grupo. Se o baixista começa a tocar mal uma tônica, vai ser um inferno. No fundo, eu queria ter essa responsabilidade. E também escolhi Damián e Lucio, que são dois músicos muito sólidos ritmicamente, o que me permitiria não apenas ter a responsabilidade que eu estava falando, mas também que eles iriam estar controlar a forma.


FR –
Bem diferente do que acontece em Escalandrum, onde você tem o apoio de Mariano Sívori.
PP – Totalmente. Mariano é para mim um dos melhores contrabaixistas do país e também é muito grooveiro e, a cada compasso que passa, ele muda uma nota de groove, mas continua grooveando. Ele é um criador total e isso dá muita vida à música. Para mim, mais do que o ponto único do baixo ou o ponto único da bateria ou piano, eu gosto da criação do grupo de groove. Quando todos estão solando de uma vez. E, embora haja passagens em que alguém assume o papel de solista, o resto por trás não para de propor. Eu gosto disso.

FR – Você parece muito feliz com Rata.
PP – Estou feliz porque não se parece com nada. E isso é muito confortável. Você sabe … às vezes é muito, muito difícil escapar das influências. E agora sinto que este álbum não se parece a nada. Você pode gostar ou não. Mas não é algo que você ouviu em outro lugar. E sinto que o mesmo acontece com Escalandrum. E isso me dá felicidade.

 

Rata – Link de Áudio
https://www.youtube.com/watch?v=8vaJEEQtH98&t=788s

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