Santa Jazz: uma aventura dentro de uma aventura…
Prólogo
Apesar de me ter preparado com antecedência, como a maioria dos brasileiros, fui atropelado pelos acontecimentos que estão revirando com as estruturas política, econômica e social do país. No meu caso, ainda houve o efeito rebote na área cultural…que contarei um pouco por aqui. A minha participação no Santa Jazz se resumiu à primeira semana, entre os dias 25 e 27 de maio.
Antes de mais nada, gostaria de elogiar José Olavo e a sua equipe da Rota Eventos, que em conjunto com seus parceiros, fizeram “das tripas, coração” para colocar o festival em pé, com a competência e seriedade profissionais de sempre. O tempo chuvoso que bombardeou Santa Teresa nessa primeira perna do festival foi o menor dos problemas.
A greve dos caminhoneiros refletiu de duas maneiras: em relação ao público, em função do deslocamento de Vitória a Santa Teresa e em relação à produção, porque os músicos, que estavam hospedados no Hotel Senac, na Ilha do Boi, tinham que ir e vir no mesmo dia. E eu junto com meu assistente Márcio Motter, tínhamos que fazer o mesmo trajeto dos músicos. O que não obedecia a uma rotina muito rígida.
Sexta – 25/05
Saímos do Senac em torno das duas da tarde, junto com o trio do Stanley Jordan, que sisudo e fechado em copas se isolou num banco da van. Já o baterista Ivan ‘Mamão’ Conti ficou no banco da frente com o motorista e eu e Márcio ficamos de papo com o baixista Dudu Lima, que mineiro como nós, desfiou um pouco dos 18 anos de aventuras do trio, com destaque para o projeto Tamar e a presença de Milton Nascimento. Duas horas depois, estávamos todos nós na Cidade do Jazz do Festival.
21h00 – Fames Big Band + Andy Timmons
A primeira atração do Festival foi a Fames Big Band apresentando seu repertório e também acompanhando a o guitarrista Andy Timmons, que deu um tempo no rock metal e meio que convertido pela bossa nova, gravou um trabalho em cima da bossa nova (‘Bossa Hits‘ em parceria com o violonista Sidney Carvalho). Assim como ocorreu com o ex-Police Andy Summers também transitou por essa mesma praia e ainda gravou um cd com Fernanda Takai (esta estilizando Nara Leão).
O maestro e trompetista Daniel Dias, cercado por professores e alunos talentosos da Escola de Música Fames, apresentou um setlist que dividiu a apresentação em 3 etapas:
repertório para a big band: In the mood, Caravan, Always and forever, Passo de anjo, Incompatilidade de gênios, Rio (composição de Nelson Faria);
repertório para o combo formado por Andy Timmons (guitarra), Sidney Carvalho e Fábio Calazans (violões), Dhyego Damasceno (bateria), Diego Lopes (piano) e Franklin Silva (baixo elétrico):
Chega de Saudade, Garota de Ipanema, Ligia (Carmen Carvalho no vocal), O barquinho e Influência do jazz.
e uma música final com Timmons e Big Band: Jazz Police.
23h00 – Nelson Faria Quarteto
A segunda atração foi no formato quarteto, com a liderança do violonista, professor e homem de mídia, Nelson Faria. Show impecável, onde Nelson teve a companhia do promissor baixista Felipe Moreno e da bateria competente de Erivelton Silva. Já em relação ao quarto elemento, houve mudanças. Seria o pianista Kiko Continentino, que em meio às incertezas dos voos, optou por tocar com Milton Nascimento, que seria no dia seguinte. Para reposição, Nelson, meio desafiador, convocou o sanfoneiro Chico Chagas que já estava pelas bandas de Vitória. Aliás, reside por lá.
A emenda, é claro, ficou melhor que o soneto. Encontrei com Chagas no backstage meio que assoberbado em meio a partituras enviadas por Nelson, porque a passagem de som seria dentro de uma hora e a apresentação umas quatro horas depois. No final, o talento inesgotável de Chagas fez com que o show parecesse normal….
Na abertura, foi fundo nas suas raízes mineiras e apresentou “Vera Cruz”, que gravou no seu disco com a Frankfurt Radio Band (2011). No palco os solos eram divididos entre Nelson e Chagas que se revezavam ou tocavam em duo assessorados pelo segura cozinha formada pelo baixo de Felipe e a bateria de Erivelton. Do setlist logo após ‘Juliana’, composição de Nelson para a sua filha, vieram Surfboard (Jobim), Naquele tempo (Pixinguinha), Manhã de carnaval (Luis Bonfá), Suco de Cacau com Farinha (Nelson Faria e Cacau Santos) e Brooklyn High (Nelson Faria). O encerramento foi na levada jazzística de ‘Estamos aí’ de Maurício Einhorn e Durval Ferreira, com direito a um final bem humorado, relembrando Leny Andrade.
Uma da madrugada – Stanley Jordan Trio
Como é de praxe na programação do Santa Jazz, a última banda a se apresentar, ou é um estilo de blues ou rock ou é a banda mais conhecida. Então, para encerrar o primeiro dia, a atração escolhida foi o trio do guitarrista americano Stanley Jordan, que há quase duas décadas se apresenta por entre festivais e jazzclubs do Brasil. Ao seu lado estão seus mosqueteiros não menos talentosos: Dudu Lima no baixo elétrico e Ivan “Mamão” Conti, na bateria. As escolhas feitas por Stanley obedeceu a um roteiro que batia com a expectativa do público. A grande novidade foi a descida do palco de Dudu Lima que fez a festa da galera em meio a flashes, selfies e videos.
O melhor ficou para o final: para encerrar a noite, ao trio se juntaram Nelson Faria e Chico Chagas para executarem um longo improviso em cima do clássico “Mercy, Mercy“. Pedidos de bis ecoaram pela plateia, mas as luzes se apagaram e nós retomamos o caminho de volta para Vitória, com direito a um pitstop no aeroporto já que o trio, tinha driblado a crise e iria tocar na noite em Curitiba. Eram cinco da manhã quando nossas baterias descarregaram cheias de dúvidas sobre como seri nossa participação no segundo dia.
Sábado – 26/05
Intermezzo
Como a proposta era quebrar o pau, dormir pouco e estar presente na programação do dia, que inicia meio-dia, às nove já devorávamos o saboroso breakfast do hotel. Queria ver muito curtir a presença do som capixaba de Victor Humberto, que desfiaria 16 atrações e principalmente o meu brother, o pianista Pedro de Alcântara que dividiria o palco com o consagrado gaitista Gabriel Grossi para lançar o cd ‘Saci’.
O roteiro era seguir com a van do Amaro Freitas Trio em torno das 9h30; mas com cenário chuvoso e gravoso, a van em que iríamos (não tinha combustível para volta) foi trocada por uma suv e aí ficamos a ver navios e fora da primeira parte da programação do dia.
Absorvemos o impacto e só conseguimos partir com a trupe de João Donato, onde revi meu amigo candando, o baixista Jorge Helder e curti as piadas do baterista showman Robertinho Silva. Para formar o quarteto, o saxofonista escalado acabou sendo trocado pelo trompetista carioca Bruno Santos, radicado em Vitória. Durante as duas horas do trajeto acabou entrando em contato com as músicas do show e assim como Chagas no dia anterior, nadou de braçadas…
21h00 – Rosa Marya Colin + Jefferson Gonçalves
Por uma questão de estilo, a cantora de rock e blues Rosa Marya Colin deveria fechar a programação e não abrí-la. Mas quando as cortinas se abriram em torno das 21h30 lá estava Rosa, que em companhia do gaitista Jefferson Gonçalves e mais uma banda de respeito começou a desfiar um repertório bem conhecido da plateia, como “Born to be wild”, “Mercedes Benz”, “Precious Lord”, “Let it be”, “California dreaming”, “Sunshine of your love” e “Summertime”.
23h30 – João Donato Quarteto
A segunda banda foi o quarteto de João Donato, que aos 84 anos, resiste com sua arte suingada e bem humorada de quem foi um dos fundadores da nova música brasileira. Destaque para sua persistência e pertinácia de João no palco, que em meio à dificuldades de locomoção e deslocamento segurou a onda durante todo o show.
O repertório apresentado brindou-nos com todas as grandes canções de Donato: “A Rã”, “Bananeira”, “Amazonas”, “Emoriô”, “Brisa do Mar”, “Nasci para Bailar”, “Café com Pão”, “Malandro” e “Rio Branco”. O destaque ficou para os solos criativos que saíram do trompete de Bruno Santos.
Uma e quinze da madrugada – Amaro Freitas Trio
Fechando a noite, a maior atração jazzística: o pianista Amaro Freitas, que junto ao baixista John Elton e o baterista Hugo Medeiros apresentaram não só todo o repertório do cd “Sangue Negro”, bem como algumas joias que serão lançadas em novembro. Amaro é sem dúvida uma das maiores revelações do pano brasileiro, seja pelo seu propalado talento, bem como pela criatividade dos solos que produz na esteira das suas composições, indo do free jazz ao frevo, do suingue ao jazz rock.
‘Encruzilhada’, ‘ ‘Sangue Negro’, ‘Norte’, ‘Subindo o Morro’, ‘Estudo 0’ e ‘Samba do César’ foram as músicas de trabalho do setlist de Amaro de Freitas, que aqueles que resistiram até o final foram privilegiados e talvez ficassem insones com tanta qualidade. Se a apresentação abrisse a noite de sábado, creio que haveria mais pessoas abertas a receber altas doses de uma música com qualidade criativa.
Finale em Vitória
Pelo cansaço acumulado e por um despertar tardio, não pudemos estar presentes no domingo. Mas a perda sentida foi a performance do pianista capixaba Roger Bezerra, já a pop music de Dusek e Derico não estava no meu script. Ficamos mais um dia em Vitória para curtir as boas coisas que rolam na Paia do Canto. Na segunda, Márcio retornou para BH e eu fiquei mais três dias na cidade.
Na segunda, primeiro encontrei-me com o guitarrista Fábio Calazans para conversar sobre a sua arte e obra e em breve farei uma entrevista com ele no site Clube de Jazz. À noite, participei do Clube da Música que rola quinzenalmente no Spírito Jazz, capitaneado pelo onipresente guitarrista Victor Humberto, onde cada associado se apresentava apoiado por um quarteto base.
Na terça, a grande pedida foi ir ao jazzclub das terças que rola na Curva d Jurema (quiosque 22) comandado pelo baixista e produtor Paulo Sodré. A gig rolou com o quarteto que além de Sodré, tinha Marcos Firmino no trompete, que mandou ver em ‘All Blues’. Lá pelas tantas apareceu o meu primo e co-curador do Santa Jazz, Dan Mendonça, e aí varamos a noite trocando ideias e projetos jazzísticos.
Na quarta, primeiro tive a honra de tomar um café com o jornalista e escritor Rogério Coimbra, que acaba de lançar “O Assunto é Música“, coletânea de deus artigos, notas e resenhas sobre música brasileira de qualidade. Na balada do happy hour, Pedro de Alcântara de levou para o Empório Santa Terezinha no Horto Mercado saborear as cachaças produzidas pelo Adwalter, com jazz na trilha musical. Combinei com Pedro e irei apoiá-lo no lançamento do ‘Saci’. Mais uma entrevista no prelo.
