Jazz News

Tributo a PC Nunes: Rio das Ostras J&B Festival 2019

Nessa sexta, 19/01, recebi uma das notícias mais tristes e inesperadas com a partida do amigo e parceiro Paulo Cesar Nunes, que conheci no Festival de Jazz e Blues de Rio das Ostras em 2008. Convidei-o para trabalhar comigo no site clubedejazz e apresentar a Seção dedicada ao jazz argentino. Viajamos várias vezes para Buenos Aires para cobrir os festivais e disso tenho uma enorme dívida com ele sobre esse conhecimento que acabei compartilhando ao longo do tempo. Outro festival onde estávamos sempre presentes era o de Rio das Ostras e é sobre o de 2019 que agora estou reeditando dos arquivos do site como uma homenagem a esse grande talento do jornalismo jazz & blues para que vocês possam conhecer ou relembrar a sua arte. 

Paulo Cesar Nunes, especial para o site Clube de Jazz, 24/06/2019

Neste feriado de Corpus Chisti se realizou a 16ª edição do festival Rio das Ostras Jazz e Blues (19 a 23/06), então zarpei para o simpático balneário da Região dos Lagos, litoral norte do Rio de Janeiro. Foi bastante celebrado o retorno a esta época do ano, já que desde 2014 foi deslocado em datas para o segundo semestre nos anos subsequentes. A estrutura foi repaginada, agora temos a área de restaurantes em piso elevado, ocupando a área à esquerda do palco, com visão excelente das apresentações. Um dos telões saiu do painel à esquerda do palco e foi para o centro, atrás da mesa de som. Isso melhorou o acompanhamento das áreas mais distantes , quiosques e lojas. Vamos ver o que rolou nesta edição, banda por banda, os shows em que estive presente.

Big James, Chico Chagas, Lubambo, Reeves, Peterson, Rogers, Jig, Bexiga, Ferr e Mo’Zar.

Flávio Guimarães & Blues Groovers
no Palco do Iriry, os veteranos músicos de blues do Rio incendiaram mais uma vez a plateia. Com sua mistura de Chicago blues e rock, Flavio desfilou um repertório que mescla standards do blues e material de seus discos. O show teve a participação de Fernando Magalhães, guitarrista do Barão Vermelho, o que conduziu de vez a veia rock and roll da banda.

Macahiba Jazz
o set foi todo focado no repertório de Artur Maia, músico homenageado nesta edição do festival. Isso trouxe fortes doses de emoção, nos depoimentos de diversas pessoas, dos músicos ou até das filhas do Artur, e principalmente na música. Artur ponteava seus shows com temas incidentais, e aqui se ouviu a banda inserir Hey Jude e Summertime, ou clássicos do choro como Abismo de Rosas, de Dilermando Reis , que esta maravilhosa banda mesclou com temas próprios de Artur. Curto porém muito direto. Belíssima apresentação.

Chico Chagas Acordeon Trio
simplesmente maravilhoso! O trio composto por Alexandre Cavallo no baixo, Cristiano Galvão na bateria e o excepcional acordeonista Chico Chagas arrebatou a plateia. Também homenagearam Artur Maia, tocaram temas clássicos da MPB e material autoral. Cristiano chegou a fazer caixa e zabumba, típicos do forró pé de serra! No fim Chagas chamou a plateia para cantar Eu Só Quero Um Xodó, anunciado como clássico do maior sanfoneiro de todos os tempos (Dominguinhos) , e foi atendido, a Costa Azul virou a feira de Caruaru! Foram ovacionados!

Big James & The Simi Brothers
para mim o maior intérprete de James Brown, desde que o vi em Chicago no ano passado. Um mestre de cerimonias, um cantor explosivo e ainda sopra o trombone sem economias. Foi um esculacho! Dia seguinte, a dose se repetiu no Iriry, quando incluíram uma deliciosa versão de Soul Man, de Isaac Hayes! Me impressionou que os Simi Brothers tenham absorvido o repertório de soul, rhythm’n blues, unidos ao tradicional Chicago blues que eles já dominam. É muito bom ver músicos brasileiros em gigs com grandes nomes estrangeiros, e no nível exigido. 10 pontos!

Vox Sambou
grande nome da música pop do Haiti e Caribe, Vox Sambou apresentou sua mistura de temas inspirados na afrobeat, reggae e musica caribenha, em vários idiomas. A apresentação se concentrou no recém lançado disco Brasil Session. Conversou bastante com a plateia em perfeito português, e explicou a importância de lideres políticos de seu país em sua música. A banda que o acompanha tem um pique infernal e faz belíssimos arranjos, com coreografia animada. Botaram pra dançar a galera já incendiada por Big James.

The Jig
a banda holandesa que já me havia surpreendido anos atrás, veio mais encorpada, com um vocalista que dá um tempero a mais em sua proposta de jazz funk. O primeiro set deles foi no complicado palco da praia da Tartaruga, mas deve ter sido a última vez que fazem uma apresentação lá. Por interdição da prefeitura, só o palco ficava nas pedras, a plateia estava na rua, bem longe dos músicos, o que obrigou o trio de metais a descer e fazer um tour á frente da plateia. O segundo set deles foi no encerramento da noite de sábado na Costa Azul, onde tocaram por uma hora e meia, mostrando enorme desenvoltura e empatia com o publico.

Romero Lubambo convida Diane Reeves
um dos maiores violonistas da atualidade, Romero Lubambo veio a Rio das Ostras em tour com a cantora americana Diane Reeves. Nesse projeto, os dois já estiveram presentes nos palcos pelo mundo afora nos últimos vinte anos, intercalados com seus projetos paralelos. Com tanto tempo assim, Reeves já canta alguns temas em português! Os dois estiveram acompanhados de Marcelo Mariano no baixo, Cláudio Félix, bateria e Ivo Senra nos teclados. Como sempre, Lubambo estraçalhou com sua técnica exuberante, e Reeves despejou o vozeirão com belos scats. Momento brilhante desta edição.

Bob Franceschini All Star Band
já conhecia o líder e saxofonista de outros trabalhos, inclusive quando esteve acompanhando Omar Hakim em RDOstras, mas confesso que fiquei estatelado com este quarteto. Ele trouxe ninguém menos que Lincoln Goines (um pilar do fusion, que foi baixista de Mike Stern e apareceu em vários de seus discos) e na bateria, um espetacular Rodney Holmes, que trabalhou com Santana, Maceo Parker, Wayne Shorter, Michael Brecker e mais um monte de gente, baterista que teve a mais cavalar performance entre os músicos do festival. Espantoso! Nos teclados estava o brasileiro Ivo Senra, de quem tocaram um tema. Ao grupo se juntou Romero Lubambo para um tempero adicional, um auxílio luxuoso. Esta formação trouxe o jazz mais abrangente deste festival: muito improviso, música contemporânea e até fusion. No dia seguinte no Iriry, Lubambo usou uma guitarra elétrica, dando mais caldo fusion ao encontro. Um dos grandes momentos deste festival.

Bixiga 70
formado por dez músicos paulistanos, a banda, com sua mistura de jazz, funk, afrobeat, e muito balanço, incendiou o palco da Costa Azul. Nos últimos 10 anos, surgiram várias orquestras nesta linha, umas tendendo mais pro soul, outras pro balanço dançante inspirado em Fela Kuti. O Bixiga 70 faz uma sequência infernal de ritmos marcados por uma cozinha avassaladora de bateria, percussão e baixo, uma guitarra funkeada, teclado nervoso botando pimenta na mistura, e um terrível naipe de metais que se ocupa de toda a harmonia das composições, e ainda pintam quadros com solos demolidores. O time entra num frenesi dançante que induz o povão a dançar também. Em dado momento chamaram a chuva mas ninguém ligou e a festa continuou. Um arraso!

Lucky Peterson
este monstro do blues, multiinstrumentista desde criança, sempre faz sets de arrasar quarteirão! Acompanhado pelos brasileiros Bruno Falcão no baixo, Fred Barley na bateria e Flavio Naves nos teclados, pelo seu fiel escudeiro, o incendiário guitarrista Shawn Kellerman e a cantora Tamara Peterson, desceram a madeira no palco Costa Azul! Peterson começou no tradicional Hammond B3, mas lá pelo meio do show trocou o teclado pela guitarra. Desceu do palco e tocou no meio da plateia, foi difícil conter a multidão que subia em cadeiras com celulares, tudo pra chegar perto do ídolo. Blues de grosso calibre.

Sonja
como tem sido suas apresentações ao longo do último ano, a cantora Sonja arrasou na Praça São Pedro. Um set impecável de muito bom gosto, composições autorais, e uma rapaziada competente, foi de cair o queixo! Bandaça de blues, com Marcos Kenyatta guitarra e arranjos, Marco Lacerda guitarra e arranjos, Igor Helbourn na bateria, Thiago na percussão e Fabio Mesquita no baixo. É dificil levantar o pessoal com material autoral praticamente desconhecido do povão, mas eles tem feito isso em todo lugar, sinal de que o trabalho é muito bom. No fim, provocaram emoções com a inspirada versão de With a Little Help From My Friends, que a galera cantou extasiada.

The Mo’Zar Jazz Band
Sensacional! A rapaziada das Ilhas Mauricio excedeu todas as nossas expectativas. Dezoito músicos no palco, a maioria adolescentes, com dois tampinhas que mal passam dos dez anos, um deles o ótimo baixo elétrico que sustentou o ritmo com o batera e o percussionista. Anunciados como divulgadores do sega jazz, adaptação da tradicional musica deles, a sega , ao mundo do jazz. Esse trabalho caiu como uma luva iniciando a noite de sábado. Temas agradáveis com solos de vários componentes, metais poderosos, guitarras sujas, jazzão de muito boa safra, recomendamos acompanhar. Aparentemente a juventude da banda não afeta a seriedade deles. Só achamos curto o set, como é normal da banda inicial do palco Costa Azul.

Jonathan Ferr
Lançando seu disco Trilogia do Amor, o atrevido pianista carioca desfilou um som de muita criatividade; trabalho instrumental com uma pitada de eletrônica, acompanhado de um trio espetacular! Como tocaram! Procurei alguma coisa novaiorquina neles, mas achei mesmo uma troupe brasileira querendo extrapolar fronteiras, e isso eles estão fazendo. Eles estão azeitados por turnês pela Europa, e muita vontade de fazer música nova, o que Ferr chama de urban jazz. O acompanham o sax alto Alex Sá, o baixista Facundo Estefanell e o baterista Caio Oica. Recomendamos ficar antenados com a música de Jonathan Ferr. Eles vão se apresentar no Rock in Rio em outubro.

Roy Rogers & The Delta Rhythm Kings
apresentação devastadora! Mesmo já tendo tocado outras duas vezes no festival, o californiano Rogers sempre causa enorme frisson em suas execuções, um verdadeiro animal na slide guitar. O trio se completou com Kevin Hayes, baterista com longa estrada no mundo do blues (Etta James e Robert Cray) e seu escudeiro, o baixista Steve Ehrmann, que veio ao Brasil nas outras vezes. Tocaram coisas de seus últimos discos, e alguns clássicos, sempre com muito improviso e o terrível slide elétrico que é pai de muitas bandas de rock, desde que Elmore James entortou de vez esta técnica lá no delta do Mississippi nos anos 50. Um privilégio estar presente neste show.

O fechamento aconteceu no domingo de sol a pino, no lotadíssimo palco da Lagoa do Iriry com demolidoras apresentações de Roy Rogers e Lucky Peterson. O retorno ao Corpus Christi foi de muito boas vibrações para este importante evento musical.
Os organizadores já tem programada a edição de 2020, então, que fiquem ligados!