Turnê que Mônica Salmaso fez com Guinga, Proveta e Teco
Augusto Pio, jornal ‘Estado de Minas’, 20/07/2021
Gravado ao vivo no Nerima Culture Center e no estúdio Saidera Mastering, no Japão, em abril de 2019, o álbum “Japan tour 2019”, do quarteto Mônica Salmaso (voz e percussão), Guinga (violão), Teco Cardoso (flauta) e Nailor Proveta (clarinete) chega agora às plataformas digitais. Originalmente editado no Japão, o disco traz 12 faixas e chega ao Brasil pela Biscoito Fino, também em formato físico. São cinco faixas gravadas ao vivo e o restante em estúdio, nos dois dias seguintes à apresentação japonesa.
O álbum, que traz na capa uma pintura da artista plástica mineira Leonora Weissmann, reúne canções que Guinga compôs sozinho ou com parceiros como Aldir Blanc, Anna Paes, Celso Viáfora, Paulo César Pinheiro e Thiago Amud.
“A música de Guinga é uma das obras mais importantes da história da música brasileira. Nela mora a profunda alma da cultura brasileira, capaz de emocionar e de ter criado uma nova árvore na composição de onde muitos novos artistas encontraram uma fonte, um caminho e uma identidade”, comenta Mônica.
O quarteto, afirma a cantora, é a junção de artistas que pensam a música de forma parecida e que se dedicam a ela com amor, estudo, buscando simplesmente oferecer o melhor.
“Teco e Proveta são amigos na vida e na música há muitos anos e têm uma forma especial de tocar juntos, de costurar as ideias musicais, de fazer orquestração e improvisação em forma de diálogo. Cantar com eles sempre foi uma experiência de beleza. Chegar com esse trabalho ao Japão, mesmo de pé quebrado, muletas e cadeira de rodas, foi uma aventura e um sonho incrível que pudemos realizar.”
A turnê japonesa emocionou muito o quarteto.
“Temos uma enorme admiração pelo Japão. É mágico atravessar a distância geográfica que nos separa e ver tantas diferenças culturais. Nós nos encantamos com a seriedade, o respeito, o orgulho do trabalho, a organização, a poesia e a alegria com que os japoneses nos recebem. Esse álbum seria lançado somente lá, mas, para a nossa alegria, a gravadora se interessou em lançá-lo também no Brasil. Sobretudo agora, após um ano e meio de pandemia, sem podermos viajar para trabalhar. O certo é que o lançamento desse trabalho nos devolve um pouco a nossa vida, o nosso ofício.”
EQUIPE DE TV
O disco nasceu quase por um acaso, conforme conta Mônica.
“A história dele foi assim: eu e Guinga já fazemos shows em duo e em trio há muitos anos. Nós quatro também já viajamos bastante. Porém, pouco antes da gravação desse álbum, resolvemos levar adiante esse projeto de quarteto. Então eu tinha um show agendado com Guinga no Auditório Ibirapuera, em São Paulo. Aconteceu que houve o interesse de uma equipe de uma TV japonesa (NHK) que estava gravando um especial sobre o violão contemporâneo brasileiro e que queria fazer uma gravação com o Guinga e se interessou em gravar esse show de São Paulo. Aí pensamos em fazer algo em quarteto e assim convidamos o Teco e o Proveta para esse show.”
Teco e Proveta, conforme diz Mônica, “têm um jeito fácil de resolver e escrever bonitas vozes para os dois, o que acaba virando uma miniorquestra. É muito elegante e, ao mesmo tempo, são dois super improvisadores. E a música do Guinga tem espaço para isso, com diversos temas instrumentais. Então, convidamos os dois e, quando chegou na hora do show, apareceu no teatro uma equipe de 30 japoneses. Eles fizeram uma ilha de edição no teatro e uma aparelhagem para captação sonora super profissional. Junto com essa equipe veio também uma representante da Revista Latina, que havia morado no Rio de Janeiro, para ajudar na tradução.”
Ela lembra que também chegou ao teatro uma empresária japonesa que tem uma produtora no Japão.
“As duas estavam juntas para auxiliar a equipe japonesa. Elas assistiram ao nosso show, gostaram e nos convidaram para fazer uma turnê pelo Japão. Aceitamos na hora, pois somos apaixonados por aquele país. O Teco já esteve lá 14 vezes, eu somente uma, em 2017, mas estava doida para voltar. E o Proveta já foi por algumas vezes, porém o Guinga nunca havia estado naquele país e estava louco para ir. Então aceitamos o convite. Como essa foi uma iniciativa das duas, elas acabaram fazendo uma programação que envolvia uma turnê em três cidades e a gravação de um disco. No fim da excursão, iríamos para um estúdio e gravaríamos um álbum que circularia somente no Japão.”
AVENTURA
No entanto, o projeto teve que lidar com um grande percalço.
“Em 15 de março, 20 dias antes da viagem, quebrei o pé. Mesmo assim, fui para o Japão de muletas e cadeira de rodas, foi uma aventura. Mas acontece que o Japão é o melhor lugar do mundo. É uma felicidade e uma emoção enormes irmos para lá. Até mesmo naquelas condições físicas em que eu me encontrava. E a emoção ficou maior ainda porque era algo de resistência. Em todos os shows que fizemos, saímos chorando do palco. E era uma dúvida nossa ver como seria essa aceitação do público japonês para com a música de Guinga, que não é, necessariamente, aquela que a gente engaveta como sendo para o mercado japonês.”
Os quatro já tinham uma ideia preconcebida daquilo que é ou não direcionado para o mercado japonês.
“E a música de Guinga não é assim. E tínhamos, além da dúvida, expectativa e ansiedade em relação ao fato de que, ao contrário das nossas experiências anteriores, dessa vez não faríamos em clubes de jazz, mas sim um circuito em teatros. A gente ia para o teatro e não sabia como a plateia nos receberia, porque o clube de jazz tem um público cativo, diferentemente do circuito de teatro.”
A artista conta que o disco é cheio de significados para os quatro músicos.
“É um afeto só, muito trabalho e muito tempo dedicado. O Guinga tem muita coisa e como já trabalhamos juntos há muito tempo, temos também um grande repertório. Ele compõe ao violão e encontra tonalidades nas quais o instrumento soa o melhor possível. Então a música dele não é facilmente transponível, e a forma como ele compõe, usando o violão, não é mudando meio tom para cá ou para lá. Isso bagunçaria a vida dele toda, porque usa muito os acordes com as cordas soltas, o que significa que, quando canto com ele as canções dele, tenho uma certa limitação.”
SHOW
A ideia inicial era fazer o disco inteiro em estúdio, mas, na noite anterior à gravação, o quarteto havia feito um show em um teatro em Tóquio, em que o público japonês bateu palmas na música “Baião de Lacan”, o que surpreendeu o quarteto.
“Foi muito bonito, e o engenheiro de som gravou o show ao vivo. Até nem sabíamos que estava sendo gravado, mas ele gravou porque estava, na verdade, nos estudando. Isso é próprio dos japoneses. Lá eles se preparam, estudam o que vão fazer. Então o operador de som fez uma gravação ali, ao vivo. Foi depois que gravamos o restante em estúdio, pois já tínhamos essa outra opção.”
“Quando ouvimos a gravação feita pelo operador de som, falamos nossa, há momentos do show, como por exemplo as músicas ‘Baião de Lacan’ e ‘Contenda’, em que a plateia veio carregada de uma emoção. E nós também, por estarmos naquele teatro. Então seria um desperdício não usar o que havia sido gravado. Então acabamos fazendo um híbrido entre canções gravadas no estúdio e no show.”
FAIXA A FAIXA
1. Tangará (Guinga)
2. Sete estrelas (Guinga & Aldir Blanc)
3. Contenda (Guinga & Thiago Amud)
4. Odalisca (Guinga & Aldir Blanc)
5. Di menor (Guinga & Celso Viáfora)
6. Passarinheira (Guinga & Paulo César Pinheiro)
7. Esconjuros (Guinga & Aldir Blanc)
8. Simples e absurdo (Guinga & Aldir Blanc)
9. Nó na garganta (Guinga)
10. Chá de panela (Guinga & Aldir Blanc)
11. Mello baloeiro (Guinga & Anna Paes)
12. Baião de Lacan (Guinga & Aldir Blanc)
MINEIRA ASSINA CAPA DO ÁLBUM
A parte gráfica do disco foi entregue à artista plástica mineira Leonora Weissman. “Tudo que envolve esse CD tem a ver com o tempo de dedicação e de estrada. Ela pintou cinco telas, e a quinta acabou se transformando na capa do disco, com a referência das cerejeiras. Isso porque chegamos ao Japão em plena época delas. Então a capa do disco é uma pintura da Leonora baseada na floração das cerejeiras”, conta Mônica Salmaso.