Entrevistas

A avalanche do jazz de Marilia Giller

Rhanna Sarot, www.redeteia.com, 03/03/2020  

Referência de inúmeras pesquisas relacionadas ao jazz nacional, a pianista e Mestre em Música Marilia Giller foi a primeira pesquisadora na área, onde dedicou seu mestrado ao tema das jazz bands paranaenses com a pesquisa O Jazz no Paraná entre 1920 e 1940: um estudo da obra O Sabiá, Fox Trot Shimmy de José da Cruz. Como musicista, participou de inúmeros festivais, nacionais e internacionais.

Morou por um tempo na Suíça, junto com artistas renomados no estilo, e moldou sua sonoridade baseada nas décadas de 1960 ,70 e 80, com teclados e sintetizadores. Se encontrou no jazz-rock, fusion e, atualmente, no friction. Enraizada no último estilo, Marília gravou, em 2013, o CD Avalanche, que marcou seus 30 anos de carreira ao lado de músicos, como Ian e Allan Giller Branco, seus filhos.


Rhanna Sarot –
Qual foi o momento que você mergulhou sua carreira no jazz?
Marília Giller – Eu já estudava piano erudito, tinha uma pegadinha pra música brasileira, e eu comecei a ouvir rock com 15 anos, Led Zepplin, The Purple, Black Sabbath… E aquilo foi tomando conta da minha alma. Com 17 pra 18, eu tive mais contato com o jazz-rock, porque foi o rock que me levou pro jazz. Aquilo foi como uma bomba pra minha cabeça, me instigava a vida, e acabei largando um pouco o piano para ficar nos teclados e sintetizadores, acabei pegando gosto por aquela sonoridade e as harmonias. Em seguida já comecei a trabalhar com bandas, com repertório próprio. Desde 1978, mais ou menos, eu já estava trabalhando na banda Polisul; em 1981 a gente já tinha a banda Sotak, e fizemos o festival Free Jazz, em São Paulo […]. E assim foi como desencadeou, como eu vendi minha alma pro jazz […]. Não é tanto um jazz tradicional, acústico, dos grupos das décadas de 40 e 50, mas é um jazz mais da década de 60 pra frente, que ele é meio rotulado como jazz fusion, ou jazz-rock, que seria essa fusão de possibilidades sonoras, e foi um pouco mais nessa facção que o jazz me envolveu.

RS – E quem foi a Marília criança, com o avô da Tupynambá Jazz Band?
MG – Eu tenho uma irmã mais velha, e minha mãe, quando era moça, queria tocar piano. Ela morava no interior do Rio Grande do Sul, e tinha um sonho de ser pianista, mas existia muitas dificuldades na época, e ela falou que quando tivesse uma filha ela (a filha) vai tocar piano. Ela (mãe de Marília) pegou minha irmã, e minha irmã não gostou, e eu, inocentemente, fui. Com 8 anos ela falou ‘então é você que vai estudar piano’, e eu fui. Foi uma coisa muito natural, eu brincava e tocava piano. E meu avô, que era violinista, quando eu convivi com ele, ele já não estava mais na Tupynambá, ele era só um músico folclórico, do coral polonês, da banda do Juventus (clube tradicional curitibano). Então eu tive uma afinidade com ele mais por ele ser músico, mas eu não tive um contato direto com a Tupynambá Jazz Band.

Na verdade, assim que ele faleceu, eu recebi uns materiais dele, quis ficar com as coisas de música dele, e qual foi minha surpresa ao ver a fotografia da Tupynambá Jazz Band. Não tive a oportunidade de perguntar diretamente pra ele, […] e foi aí que eu iniciei essa observação de acervos musicais, a Tupynambá na década de 30. Foi aí que despertou um pouco essa parte da pesquisa recentemente na minha vida. Mas a Marília pequena cresceu assim, ouvindo tango […], orquestrações francesas, não ouvia jazz e música brasileira, […] e acho que por isso o jazz fusion ele me representou, por eu ter um pouquinho de cada coisa, e não só uma cultura enraizada, brazuca. […]

RS – Quem é a Marília dos festivais, como musicista?
MG – É uma Marília que assumiu uma sonoridade dela, fusion, hoje em dia eu chamo de friction porque no fusion você entende que é uma fusão […], e existe uma ideia de que no limite da fusão existe uma fricção de musicalidades. Então, quando eu vou tocar um frevo, eu sinto que eu tenho uma fricção com o Brasil, porque eu não sou tão brazuca, assim como eu não sou do jazz, não sou americana. Então, entre meios, eu tiro novos fora e crio a minha sonoridade, assumi ela, gosto dela, das minhas composições.

Elas têm um viés harmônico diferenciado também, e tem muito a ver com meu estilo de vida, como eu penso a vida, a sociedade, como eu me visto, como eu me alimento […], é um mix de ideias. Eu trabalho só nos festivais agora, eu não faço mais uma gig, como já fiz 30 anos gigs de noite, em bares, pubs, e agora só assumi os festivais pra realmente viver soberanamente essa minha musicalidade, em que eu não preciso executar outras atmosferas que não a minha. Então eu fico muito contente com a situação de estar hoje nos festivais, e não fazendo gigs […].

RS – E pra finalizar, como mãe, influenciar os filhos nessa onda do jazz, o que que você sente quando toca com eles, principalmente quando gravou o Avalanche?
MG – Na verdade, a questão da palavra influência eu não sei se eu influenciei eles, porque nós éramos uma família de músicos, então aquela convivência com esses músicos todos da minha geração que estão na lida hoje […], nós morávamos todos na Suíça, e as crianças foram crescendo com esse povo junto, ensaiando, gravando, indo pros festivais, indo pras gigs às vezes, e eles estavam com a gente sempre. Então aquilo foi uma coisa muito natural dos dois (filhos de Marília), tanto o Ian, que é o baterista, e o Allan, que é o baixista. E foi uma coisa muito natural, umbilical eu diria, dessa transmissão dessa ideia do jazz. Eles já são de outra geração: eles são muito mais reaggeiros, eles trabalham com o metal, heavy metal, então eles tem um jazz um pouco diferenciado do meu, da década de 60, 70 e 80, que tem uma sonoridade típica.

Talvez eles tenham me influenciado também, com o pedal duplo na minha música, é uma troca bem deliciosa, e, às vezes, muito difícil por ser família. A gente tem uma comunicação muito rápida em palco, inclusive o último festival que fizemos agora, na Ilha do Mel, faltava um minuto pra gente começar a tocar e a gente se olhava e falava ‘o que que nós vamos tocar?’, e o meu filho dizia ‘mãe, deixa que na hora a gente faz’, e realmente ele olhava e falava ‘faz essa, e essa’, e a gente ia espontaneamente. É uma música muito espontânea a nossa, como se a gente estivesse em casa, conversando e jantando, e traz uma facilidade de comunicação na hora de se estar fazendo música que é inexplicável. […] Estar em palco com o filho é muito interessante essa comunicação muito rápida, mental e sonora que acontece.

 

 

PS – Jazz Curitibano
Desde 1920, o jazz esteve presente na capital do Paraná. De acordo com as pesquisas de Marília, o primeiro registro do estilo musical surgiu com a Jazz Band International Orquestra, em jornal local. A partir desse ponto, o jazz se ramificou nos mais diversos estilos, até chegar no contemporâneo, tocado em bares e festividades.