Argentina

A cozinha criativa e inovadora de Alan Plachta

Acompanho a carreira de Alan Plachta desde 2008 e sempre fiquei impressionado não só capacidade como compositor, arranjador e instrumentista, como também por sua versatilidade de fazer parcerias musicais e em criar/participar de grupos instigantes como o Colectivo Argentino-Uruguayo e Ingrid. Agora, Plachta nos apresenta seu último trabalho, o álbum ‘Cocina Magnética‘. Ele nos fala sobre o conceito do grupo, os instrumentistas e a divulgação. E além de sua participação no Tatadios, ele analisa a situação atual da cena jazzística argentina e sobre a presença do Brasil em seus futuros projetos.
Essa é a segunda entrevista que Alan Plachta realiza para o site Clube de Jazz (o link da primeira está no fim da matéria).

Wilson Garzon – Depois do projeto ‘Un Viaje‘, que caminhos estava pensando em seguir?
Alan Plachta – O projeto “Un viaje” foi o resultado das necessidades, minha e de Richard Nant de traduzir em um registro, uma linguagem em comum que já desenvolvíamos há anos, e tivemos a oportunidade de fazê-lo em Nova York, o que me trouxe muita satisfação. Além disso, Richard é como um irmão mais velho que me deu música e vida, o que eu agradeço profundamente.

Depois desse álbum, tive muito trabalho como arranjador. Surgiram projetos como o novo álbum da cantora portuguesa Susana Travassos, o álbum com a música de Danilo Schultz, incrível guitarrista e compositor, de Poços de Caldas (MG). Seus amigos me convidaram para arranjar e produzir o álbum com sua música, uma vez que ele faleceu. Foi um trabalho muito bonito, com um forte envolvimento sentimental. Esses e outros projetos exigiram um tempo que decidi levar para moldar uma nova música na minha cabeça que eu queria produzir com um grupo. Aí, a ideia foi tomando forma até se tornar La Cocina Magnética.


WG –
Como se deu sua entrada no quarteto ‘Tatadios‘? Como tem sido sua participação num grupo que flerta com a vanguarda?
AP – Eu toquei no Tatadios por 5 anos ou mais. Eu sinto que foram anos de muita aprendizagem, período esse que se forjaram relações humanas e musicais muito profundas . Com o bandeonista Martín Sued temos trabalhamos muito juntos, não só em Tatadios, mas em outros projetos, como escrever para a Orquestra de Cordas Sur del Sur Ensamble. Como no caso de Richard, sinto que, com Martin, desenvolvemos uma série de códigos que nos levarão a continuar fazendo música juntos por muitos anos.

Tatadios sempre foi um grupo com uma energia muito intensa, em muitos níveis. No meu caso, senti que não tinha mais esse tempo, além de ter me estabelecido na Mercedes, no Uruguai, e portanto não estar tão disponível para ensaiar e tocar. Parece-me que tanto Tatadios quanto Ingrid, o outro quarteto que integro há vários anos, são dois dos projetos mais interessantes em termos de estar permanentemente naquele lugar misto entre o popular e o experimental.


WG –
Você está lançando ‘La Cocina Magnética‘. A banda foi criada para esse projeto? Como se deu as escolhas dos músicos?
AP – Eu sou alguém que teve a sorte de se cercar de músicos maiores a quem eu admirava e que me ensinaram muito na prática musical. Músicos mais experientes, referentes, com quem tive a sorte de fazer muita música juntos como Guillermo Klein, Pipi Piazzolla, Martín Pantyrer, Pollo Raffo, Diego Schissi, Daniel Maza e outros. Vários deles também fizeram parte dos diferentes projetos que desenvolvi ao longo dos anos.

Algum tempo atrás, eu pretendia montar um grupo com músicos mais jovens, que tivessem outras referências e que poderiam me dar outro som que eu estava procurando. Conheci Julian Mekler em algumas aulas de arranjos que dava; a Pato Bottcher na Orquesta Sudamericana, onde fui convidado para liderar; ouvi Fede Isasti tocar com o grupo Sales de Baño e Lucia Boffo em uma guitarreada informal. Então, fiquei ligado a eles, pela maneira de pensar a música e, especialmente, com seu estilo de fazer música sem preconceitos, sem vínculos com estilos ou idéias conservadoras. Eu imediatamente senti que era o grupo com quem queria trabalhar. Por outro lado, são pessoas excelentes, o que para mim é essencial para realizar um projeto artístico.

WG – O repertório do cd é composto por 8 músicas, sendo sete de sua autoria e uma de Nant. Você poderia nos contar um pouco do conteúdo/significado das suas composições?
AP – Desde 2017 comecei a viajar semanalmente para a Mercedes, no Uruguai. Desde 2018 eu moro lá. É uma cidade no litoral, quase na fronteira com a Argentina, onde desenvolvo uma atividade de ensino na universidade, além de ser um lugar bonito para se viver. Além disso, tive que viajar muito para Paraná, Resistência, Corrientes, Paysandú e outras cidades da costa argentina e uruguaia. Montevidéu, também. Eu sinto que estas viagens de ida e volta entre os dois países, com o rio e o litoral como um ambiente, influenciou muito a minha música. Eu também sinto que é uma música que sintetiza um pouco, o trabalho de vários anos. Finalmente, o grupo e seu funcionamento e som em si mesmo foi modelando várias músicas. Nesse sentido, a contribuição de cada um dos músicos é inestimável.


WG –
Em relação à presença da voz nesse seu trabalho, ela estava inserida desde o começo? Pretende aumentar a participação da voz em seus trabalhos?
AP – Sim. Desde o começo eu queria que uma voz fosse um dos instrumentos do grupo. E também pretendo continuar assim, neste projeto e em outros. Durante vários anos, toquei junto com Ana Archetti, a quem admiro muito e de quem aprendo muito. Com ela e Lucia Boffo sempre encontro não só qualidade como cantores, mas a vontade de experimentar permanentemente com a voz, suas cores e possibilidades. Por outro lado, neste disco eu gravei a primeira composição com letra e  música de minha autoria. Isso abriu uma porta para algo que eu queria muito fazer, que é incluir músicas de autor em meus projetos com uma referência mais experimental ou jazzística.

WG – Como está sendo feita a divulgação do cd? Já tem shows agendados, em jazzclubs e salas?
AP – O disco foi escolhido pelo Club del Disco como o disco do mês de agosto de 2019. Isso é bom porque o Clube já garante a venda de vários discos, assim como uma boa divulgação…Temos uma apresentação em Buenos Aires em 25 de agosto e outra em Mercedes em 7 de setembro, nos eventos mensais de Jazz a la Calle. Participar desse ciclo é uma imensa alegria, pois por lá tem passado vários dos músicos mais proeminentes do continente. Para o próximo ano, tenho a ideia de visitar outros países e outras cidades. Espero que vários dos planos que temos sejam cumpridos.

WG – Três anos atrás, em São Paulo, você desenvolveu um trabalho com o clarinetista Alexandre Ribeiro. Como está a sua participação dentro da cena brasileira?
AP – Eu sou um amante da música brasileira. Com Alexandre gravamos o álbum e planejamos shows aqui e no Brasil para o próximo ano. Ele é um grande músico. Tenho muita sorte de ter formado a dupla com ele, além de ter tido experiências com Salomão Soares, Roberto Taufic, Ana Luiza e Luis Felipe Gama, Rafa Martini, Conrado Paulino, Igor Pimenta … enfim, algumas experiências que me enriqueceram muito e isso me fez viajar muito para São Paulo e outras cidades em um país que eu adoro, assim como seu povo e sua música.

Há dois anos toquei com os pianistas, André Marques em SP e no ano passado com o Amaro Freitas em Buenos Aires. No ano passado fiz com o Salomão um tour pelo Uruguai e a Argentina. Eu aprendi muito tocando com músicos tão talentosos quanto generosos. Por outro lado, estou trabalhando em parceria com Rafa Castro, compositor, pianista e cantor mineiro com quem planejamos juntos as coisas. Finalmente, até março do próximo ano, estaremos viajando pelo Brasil com Ana Archetti, tocando lá com os nossos amigos.


WG –
Quais serão seus próximos projetos?
AP – Hoje meus principais projetos são La Cocina Magnética, o duo de guitarras com Ismael Grossman e o grupo Ingrid, além dos intercâmbios com o Brasil, dos quais eu já falei antes. Por outro lado, pretendo fazer uma turnê europeia e gravar meu primeiro álbum solo de guitarra. Eu também planejo continuar desenvolvendo projetos institucionais dentro da área de Jazz e Música Criativa, na universidade aqui de Mercedes. Enquanto isso, eu tenho que terminar composições e arranjos para alguns projetos para os quais eu fui convocado como arranjador ou compositor. O grande desafio é gerenciar o tempo e a energia e realizar planos bem focados, com a dedicação e o amor que cada projeto exige.

WG – O atual momento do jazz e do instrumental argentinos está bom ou pode melhorar? Em que?
AP – Eu penso que há muitos sinais positivos a se destacar no cenário musical argentino. A primeira é que 15 anos atrás, se você quisesse montar um grupo com um trompetista, havia apenas 3 ou 4 músicos disponíveis que poderiam tocar. Hoje, existem muitos, certamente muitos que eu nem conheço. Isso é muito bom. A segunda é que o número de mulheres nessa cena cresceu; Embora isso possa parecer oportunista, eu realmente acredito que isso contribui muito para o crescimento do nível musical e cultural que nos rodeia. Lucia Boffo é uma daquelas grandes músicas que ousam não apenas cumprir esse papel de cantora de jazz, mas é incentivada a impor um espírito mais criativo e experimental. Ingrid Feniger, saxofonista, é outro grande exemplo, que por sua vez realiza um trabalho importante na formação de músicos mais jovens.

Por outro lado, acredito que o intercâmbio entre músicos de diferentes estilos ajuda o jazz argentino a desenvolver uma identidade interessante. Grupos como La Cangola Trunca ou o quinteto de Diego Schissi são hoje em dia uma grande influência para os músicos locais ligados ao jazz; eu entre eles. Finalmente, creio que há jovens músicos que para eles não pode haver condicionamentos estéticos ao fazer música, mas sim, a incansável busca por uma arte que reflita seus sentimentos mais profundos. Nesse sentido, quanto menos conservador for o ambiente musical, mais interessante – do meu agrado – os resultados serão.

 

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Primeira Entrevista no Clube de Jazz

Alan Plachta: alquimia sin fronteras