Entrevistas

‘Cataventos’ saúda os 70 anos de carreira de Hermínio Bello de Carvalho

Aos 88 anos de idade, compositor se diz ‘operário da cultura brasileira’. Fernanda Montenegro e Maria Bethânia participam do álbum lançado pelo selo Sesc/SP. Parceiro de Pixinguinha, Dona Ivone Lara, Cartola, Baden Powell, Sueli Costa e Paulinho da Viola, entre outros, o compositor Hermínio Bello de Carvalho, de 88 anos, lança nas plataformas digitais, nesta quarta-feira, (12/7), o álbum Cataventos. O objetivo do projeto produzido pelo selo Sesc/SP é comemorar os 70 anos de carreira do artista carioca, que também é jornalista, escritor e poeta.

Augusto Pio, Estado de Minas, 12/07/2023 
Hermínio aproveitará a ocasião para autografar o seu 14º livro, “Passageiro de relâmpagos – crônicas friccionais e perfis inexatos” (Edições Sesc São Paulo), organizado pela cantora e compositora Joyce Moreno. Os shows de lançamento de Cataventos ocorrerão no Sesc Pinheiros, em São Paulo, no próximo sábado (15/7), às 21h, e domingo (16/7), às 18h. Serão apresentados pelo próprio Hermínio, que receberá os cantores Alaíde Costa, Ayrton Montarroyos, Áurea Martins e Vidal Farias.

Do samba à valsa

Com direção de produção de Helton Altman e produção musical e arranjos de Lucas Porto, o álbum apresenta sambas, sambas-canção e uma valsa. Traz 15 músicas, 12 inéditas, e homenageia Cartola, Clementina de Jesus, Pixinguinha e o escritor paulista Mário de Andrade.

O compositor lembra que, ao contar para Bethânia que queria ver essa música gravada, a baiana adorou a ideia e mandou o registro pronto, acompanhada por João Camarero.
Ele é um violonista maravilhoso. O disco abre com a Fernanda Montenegro recitando um poema meu, emenda com a Maria Bethânia. Lá no finalzinho, Fernanda, uma amiga muito querida, aparece novamente. O álbum é o resumo desses meus 70 anos, mas dando ênfase para composições feitas há pouco tempo e que dão um colorido ao disco.”
Cataventos contou com novos e antigos parceiros de Hermínio, como Fernanda Montenegro, na leitura dos poemas “Labirinto”, que abre o álbum, e “Enunciação” (com Vital Lima), que encerra o disco.
Além da atriz e de Bethânia, participaram das gravações Paulinho da Viola, Alaíde Costa, Áurea Martins, Joyce Moreno, Ayrton Montarroyos, Alfredo Del-Penho, Giulia Drummond, Pedro Miranda, Marcos Sacramento, Pedro Paulo Malta, Vidal Assis, Zé Renato e Gabi Buarque.

Esse é um álbum de música e poesia, dando-nos o privilégio da voz da minha amiga Fernanda. Aliás, nunca imaginei que ela recitaria um poema meu algum dia”, revela Hermínio.

Presente divino

Os 88 anos de vida não impedem o artista de trabalhar. “Na realidade, não vivo sem escrever ou ler. O único talento que Deus me deu foi esse de escrever, sendo, inclusive, letrista de música popular e tendo tido a honra de ter parceiros como Pixinguinha, Cartola e Chico Buarque, entre tantos outros.”
Se os antigos parceiros são lembrados, Hermínio, da mesma forma, reverencia os atuais.
O disco é um panorama e também dá ênfase a um parceiro meu mais recente, o Vital Lima, a quem entreguei um texto poético. Ele musicou tão maravilhosamente que é uma das coisas mais bonitas do álbum, com ele cantando.”
Segundo o compositor, os instrumentistas que participam do álbum, em sua maioria,  fazem parte da Escola Portátil de Música, que fica no Centro do Rio de Janeiro. “O que prova, inclusive, que esse projeto da escola estimula jovens músicos a aparecerem em um registro tão importante, como é um disco.”
Em Catavento, Hermínio, como em outros trabalhos dele, não canta. “Não sou cantor, mas, sim, poeta que diz as suas letras, as suas músicas. Apenas isso. Não há nenhuma pretensão minha em ser cantor algum dia. Porém, uma coisa que faço há muitos anos em meus discos é estar presente, mas como poeta, declamando poesias ou até mesmo apresentando novos parceiros.”
Hermínio Bello de Carvalho, que publicou mais de 20 livros sobre a cultura brasileira, não esconde sua admiração por Mário de Andrade:
Sou um operário da cultura brasileira. Tenho paixão  pelo Mário de Andrade. Ele é o farol, a pessoa que ilumina a minha vida até agora, embora tenha morrido em 1945, quando eu já estava com 10 anos. Infelizmente, não o conheci. Inclusive escrevi ‘Cartas cariocas para Mário de Andrade‘”, diz.

Há uma coisa bonita: as pessoas que continuam atuando comigo foram essenciais na minha vida. Não sei se fui tão essencial assim na vida delas, mas tenho muito cuidado em citar os meus parceiros, as pessoas que me acompanham na vida. Como digo, ninguém faz nada na vida sozinho. Gosto, por exemplo, que conste o nome dos músicos na ficha técnica, dos instrumentos que tocaram, quem ilumina o palco, quem faz a cenografia”, comenta.

 

Clementina e Sophia Loren

Hermínio se diz um fã por natureza. “Gosto de admirar as pessoas. E aquelas que admirava em minha infância me acompanham até agora. Elas alimentam a minha criação artística. Aracy de Almeida, Elizeth Cardoso, como vou esquecer? Tive esse privilégio. Sem falar na Clementina de Jesus, que hoje é uma figura internacional. Ela não é uma pessoa que só aconteceu no Brasil”, destaca.

Hermínio relembra um episódio envolvendo a cantora, quando ela foi se apresentar no Festival de Cannes, na França, com o marido Albino Pé Grande.
Todos os dias, os dois saíam do hotel para passear e sempre passava por uma moça muito bonita, que os cumprimentava dizendo: ‘Mamma, mamma‘. Clementina era muito simples, não tinha noção de sua importância nem ideia de quem era aquela mulher. E era a Sophia Loren.”
Quando ele conheceu Clementina, ela estava com 62 anos. “Quando a ouvi pela primeira vez cantando na Taberna da Glória, no Rio, fiquei deslumbrado. Depois, um amigo a levou ao meu apartamento e fiquei gravando tudo o que ela cantava, sem ela saber. Guardei o gravador no carro, que foi roubado. Para o meu azar, (a fita) ainda tinha eu conversando e também compondo para o Pixinguinha.”

Os parceiros Antônio e Paulinho

Das parcerias, Hermínio cita seu primeiro companheiro, Antonio Carlos Ribeiro Brandão. “Ele era economista e muito ligado à turma da cantora Sylvinha Telles. Tocava violão divinamente. Chegamos a gravar um CD com a nossa parceria. Infelizmente, ele faleceu. Porém, precedeu a Paulinho da Viola, de quem fui o primeiro parceiro. Paulinho tinha cerca de 20 anos e começamos a produzir muita coisa.”
O poeta conta que levou Paulinho da Viola para tocar no Zicartola (restaurante de Cartola e de sua mulher, dona Zica). “Os dois se encantaram com ele e o empregaram como músico naquelas rodas de samba. O local era frequentado por Elton Medeiros, Nelson Cavaquinho, Zé Keti, Ismael Silva, Aracy de Almeida, Carlos Lyra e Nara Leão”, relembra.