Entrevistas

As novas direções dos ventos de Maiara Moraes

Foto: Luiza Filippo – Ilustração: Josefina Bustillo

Quando se fala dos novos talentos no cenário brasileiro da flauta, um dos primeiros nomes que aparece é o de Maiara Moraes. Com uma sólida formação acadêmica, Maiara já, em poucos anos, nos apresenta uma discografia rica, que evolui a cada novo projeto. Esse ano, Maiara lança ‘Cabeça de Vento’, um trabalho consistente tanto na parte composicional, na liberdade improvisativa e nas direções que sua música nos leva. 

Wilson Garzon – Conte-nos sobre sua opção pela flauta e como se deu a sua formação musical e acadêmica de Santa Catarina a Tatui e Campinas.
Maiara Moraes – Eu não nasci em família de músicos, mas meus pais sempre ouviram muita música e meu pai tocava violão em um grupo de choro. Isso de certa forma me aproximou da música brasileira. Quando pequena comecei a estudar um pouco de piano, mas aos 12 decidi tocar flauta, pois tinha uma grande amiga que já tocava e a mãe dela era professora, Silvia Beraldo, grande flautista e saxofonista, uma das pessoas a quem dedico meu primeiro disco, Nós.

A minha ida a Tatuí se deu quando eu estava  já fazendo a faculdade de licenciatura em música. Tranquei o curso por dois anos, pois queria me dedicar mais ao instrumento e ao estudo da improvisação. Foi uma experiência muito rica, pois tive a sorte de estudar improvisação e ritmos brasileiros com o pianista André Marques, além de ter aula com grandes músicos e professores, como Fabio Leal, Edson Beltrami, Paulo Braga, Paulo Flores, além do convívio com músicos, na época estudantes, que admiro muito até hoje.

Quanto a vida acadêmica, foi um pouco mais entrecortada. Depois de terminar a faculdade, em 2009, não quis seguir com os estudos acadêmicos, mas em 2012, quando já morava em São Paulo e estudava com Eduardo Neves na EMESP, encontrei um tema que me interessava muito estudar academicamente, que era a pesquisa sobre o Copinha. Fiz então o mestrado na área de práticas interpretativas na UNICAMP com o pianista Rafael dos Santos, onde me debrucei sobre as gravações que ele deixou, fazendo transcrições e análises da forma com que ele tocava. Apesar de ser multi-instrumentista, meu foco foi nas suas gravações de flauta, com o recorte temporal das décadas de 1960 e 1970.

 

WG – Como se deu sua experiência em Buenos Aires? Ela tinha cunho acadêmico? Foi lá que conheceu Guillermo Klein?
MM – Nos últimos anos da faculdade, ainda morando em Florianópolis, comecei a me envolver bastante com a música argentina e latinoamericana. Então, quando terminei o curso resolvi passar um tempo em Buenos Aires, estudando música, mas de forma não institucional. Estudei com diversos professores lá, como Paulina Fain, Juampi diLeone, entre outros. Também desenvolvi alguns trabalhos, como o duo com Leandro Cacioni, com quem toquei durante dois anos, e o trio Purahei, grupo formado por um pianista argentino, uma cantora paraguaia e eu na flauta. Com este trio gravamos dois discos e tocamos bastante no Brasil, Argentina e tivemos uma passagem pela Europa.

Com a música de Guillermo tive contato um pouco depois, pois nesse momento estava mais mergulhada na música tradicional (tango e folclore). Há alguns anos, já em São Paulo, comecei a conhecer mais a fundo a obra de Guillermo e me inspirou muito quando estava no processo de começar a compor. A música que gravamos dele é uma que eu sempre gostei muito e ele foi muito generoso em permitir que gravássemos no disco. Mas não o conheço pessoalmente, pois ele vive em há bastante tempo em Nova Iorque.

WG – Já morando na capital, você grava em 2018 seu primeiro trabalho no formato de quarteto, “Nós“. O quarteto já existia antes do projeto? Como você conheceu o Salomão, o Marcos e o Pedro? As músicas eram autorais? O conceito aqui era o o ‘nós’ do quarteto desatando os ‘nós’?
MM – Eu montei o quarteto com Salomão Soares, Marcos Paiva e Pedro Henning logo após terminar o mestrado sobre o Copinha, então a ideia era montar esse repertório com as composições dele. Mas logo que começamos a tocar o grupo fluiu com tanta naturalidade que tive vontade de tocar outras músicas e logo se deu a gravação do disco, uns 6 meses depois.

Mesmo tendo ampliado o repertório, ficou como ideia essencial a vontade de fazer uma homenagem a flautistas importantes para a flauta brasileira e, particularmente, muito importantes na minha formação. Gravamos músicas de Lea Freire, Eduardo Neves, Henrique Albino, Debora Gurgel, Toninho Carrasqueira, minha e, claro, do Copinha. Por isso, foi natural que o repertório, apesar de abarcar vários gêneros musicas, tenha uma linha condutora baseada no choro, já que não se pode falar de flauta brasileira sem falar desse gênero.

O nome Nós veio da ambiguidade da palavra: o pronome “nós” referindo-se a nós, os flautistas; o substantivo “nós” aludindo aos laços que unem o Copinha, representante de uma geração da flauta brasileira, com flautistas contemporâneos.

WG – Esse ano, você apresenta seu segundo trabalho, o “Cabeça de Vento“. Aqui, o que em termos de conceito diferencia um projeto do outro? E a escolha de Gaia Wilmer como produtora? Era um projeto comum ou foi uma escolha técnica?
MM – O que diferenciou o segundo disco, Cabeça de Vento, foi a vontade de fazer um projeto autoral. Nos shows do quarteto eu já vinha incluindo algumas das minhas músicas, então quando surgiu a oportunidade de gravar pelo selo Blaxtream, algumas das músicas já estavam prontas. A escolha da Gaia Wilmer veio por uma afinidade musical, por já termos trabalhado juntas em diversas outras oportunidades e pela amizade pessoal. Ela acompanhou o processo dos arranjos, ensaios e da gravação, além de ter gravado sax alto em duas das faixas do disco.

WG – Agora, no formato de quinteto, você acrescentou mais um sopro e do quarteto você só manteve o Pedro Henning. Como foram feitas feitas as escolhas dos músicos?
MM – Decidi por acrescentar um outro solista, pois enriquece muito as possibilidades de arranjo e a mudança dos instrumentistas se deu pela vontade de diferenciar a sonoridade do primeiro disco, embora a formação seja basicamente a mesma. E de fato a sonoridade dos dois discos é bastante distinta, tanto pelo repertório, quanto pela forma de tocar.

 

 

WG – Do repertório composto por sete músicas, cinco são autorais. Fale-nos um pouco sobre o processo de criação de cada uma delas, estilo e arranjo.
Maracatu
Fiz essa música para tocar com o quarteto, foi gravada já no meu primeiro disco. Teve como ponto de partida um exercício de composição, mas quando vi já tinha esquecido o exercício e comecei a desenvolver a música sem restrições. A primeira parte é um maracatu que brinca com uma polirritmia com a clave do agogô e a segunda é um baião. Gosto muito da sonoridade de duas flautas, então tentei explorar isso no arranjo.
Bailonga
É a música mais recente que eu fiz gravada no disco. Flerta com a milonga, que é um subgênero do tango, e sua proximidade com o baião. Ela tem três partes bem distintas, com climas bem diferentes. A introdução é um improviso da cantora Paula Mirhan sobre um pedal em sol, feita pela flauta em sol com o efeito de um oitavador. A segunda é a “bailonga“, tema principal feito pelo soprano e com contraponto da flauta. A terceira é um improviso coletivo (flauta, sax e voz), sobre uma base em 9/8, que desemboca na quarta parte que é como se fosse uma ponte para reexpor o tema principal da “bailonga” em outra tonalidade.
Novena
Essa música também é composta por duas partes bem distintas. O processo de composição começou pelo piano e a partir dessa parte foi criada toda a base harmônica e rítmica, assim como a melodia. A segunda parte basicamente uma linha baixo em 7/8 com sobreposições de frases em 7/4. Sobre isso acontece um improviso coletivo que aos poucos vão se somando os instrumentos e, ao final, um improviso de bateria.
Choro pro Pê
Essa música eu já tocava com o quarteto e passou por muitas versões antes de chegar a esta que foi gravada. O tema é bastante curto, 12 compassos, e eu queria manter uma certa simplicidade no arranjo, sem criar outras partes. A introdução com as duas flautas é na verdade um contraponto que vai aparecer sob a melodia na ultima exposição do tema.
Caminho de Volta
O começo é um improviso sem tonalidade nem tempo, construído sobre intervalos de 6as e 2as menores, exclusivamente. A primeira exposição do tema é compartilhada entre flauta em sol e sax soprano, mas a partir do improviso do sax é ele quem toma o protagonismo da música até o final, emendando o improviso com o retorno ao tema da música.

WG – E quanto a escolha de duas composições, uma de Klein e a de Wilmer?
MM – Quando chamei a Gaia para produzir o disco, pedi a ela que escolhesse uma composição para gravarmos. A Avenida do Café ela já tinha praticamente pronta, mas nunca gravada, então fez um arranjo pra gente gravar com o quinteto e a participação dela no sax alto. O nome foi uma homenagem a Ribeirão Preto, onde gravamos o disco pelo selo Blaxtream.

Con Brasil Adentro/ Fuga X são duas músicas do Guillermo Klein (que ele mesmo as toca em sequência) que desde a primeira vez que ouvi gostei muito. Pedi a autorização dele para gravar e a Gaia fez uma adaptação do arranjo original dele para a nossa formação, também incluindo o sax alto que ela gravou.

WG – Como está sendo a divulgação do ‘Cabeça de Vento‘? Há apresentações agendadas?
MM – Fizemos um primeiro lançamento em Ribeirão Preto em novembro de 2019. Ainda este ano fazemos um showcase na SIM SP e um pré-lançamento na cidade de São Paulo. A partir de maio do ano que vem seguimos com os shows de lançamento.

WG – E quanto aos próximos projetos? Há trabalhos a serem desenvolvidos no exterior?
MM – A partir de agora estarei bem focada no lançamento deste disco. Pretendo lançar no Brasil e América Latina. Ainda este ano lançaremos um single e um videoclipe de Peixe Boi, uma parceria minha com Rogério Santos, gravada pela Tatiana Parra (voz), Salomão Soares (piano), Marcos Paiva (baixo), Pedro Henning (bateria) e eu nas flautas e arranjo. A produção musical é do Swami Jr. e o clipe de Olindo Estevam. Além disso, participo como flautista da Orquestra Mundana Refugi que está na fase inicial de composição do seu terceiro disco.

 

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