Entrevistas

Da Turquia para o Brasil => Chadas Ustuntas

Quando participei do Festival Jazz de Montanha em Juiz de Fora no ano passado, conheci o músico turco Chadas Ustuntas e seu impressionante violão de 11 cordas. Fiquei muito sensibilizado com sua apresentação durante o evento e resolvi divulgar o seu trabalho aqui no Clube de Jazz.

Wilson Garzon – A música apareceu na sua vida dentro de casa? E o violão foi seu primeiro instrumento? Aprendeu a tocar dentro da linha popular ou clássica?
Chadas Ustuntas – A música sempre foi presente na vida da minha família. Como o meu pai e minha mãe eram artistas de teatro, para eles, saber sobre a música era obrigatório, e eu desde bebê ficava fascinado com este ambiente tão artístico e levantava meu interesse sobre a música desde que me conheço como presente neste mundo. Meu primeiro instrumento foi um pequeno teclado sintetizador que meu pai me deu de presente com 5 anos. Dai eu comecei a brincar com as notas e dei cores para cada nota para poder identificar facilmente porque não tinha uma boa memória naquela idade, assim poderia associar cada nota com uma cor e desenvolver minha memória intuitivamente, depois aprendi que isto se chama sinestesia, na psicologia, e pode ser desenvolvida.

Depois, ganhei um Garmon, que é um instrumento da família da sanfona e comecei tirar algumas músicas nele sozinho, didaticamente, sem professor nem nada. Como minha família viu meu desenvolvimento nos instrumentos de teclado, se sentiram obrigados a me mandar inscrever alguns cursos de música, e tinha um professor de violão muito bom na época na minha cidade e minha mãe o convidou para que ele desse aulas na sua casa de arte que ela administrava, daí eu comecei aulas de violão.

O meu professor tocava de tudo, de clássicos até o popular. Primeiro, eu aprendi tocar música popular, acordes e arpegios com canções cantando e depois meu professor viu que estava desenvolvendo diferente dos outros alunos e ele me disse: “você já passou da limite de tocar popular e agora você pode aprender violão clássico”. E me ensinou ler partitura e tocar peças clássicas do Gulliani, Fernando Sor, Carcassi, etc… Daí eu não parava mais; tocava violão 10 horas por dia, lendo partituras de clássicos ou fazendo exercícios para violão.

F
Foto: Cláudia Rangel

WG – Quando e como você teve contato com a música brasileira?
ChU – A música é uma linguagem universal, você não pode falar turco facilmente mas, pode assoviar uma música turca, certo? Todas as pessoas nascem com a linguagem musical como se fosse a linguagem maternal deste mundo; é uma verdadeira linguagem universal. Eu sempre percebi isso desde muito pequeno e comecei interessar-me pelas músicas autênticas de todos os povos deste mundo, não só a brasileira. Mas como eu não sei se escolhi ou violão ou o violão me escolheu como principal instrumento. Entre os países dão prioridade ao violão como seu instrumento cultural, o Brasil é um deles, um país que tem uma grande influência violonística no mundo. No conservatório, eu estudava Villa Lobos (estudos para violão), Baden Powell e muitos outros compositores brasileiros que criaram grandes obras para este instrumento.

WG – Chadas, veio ao Brasil conhecer o Brasil e a sua música ao mesmo tempo? Porque decidiu fixar-se em Juiz de Fora?
ChU – Vim para o Brasil para conhecer a música e passear, e acabei gostando muito. Fiquei em Juiz de Fora anos porque foi uma cidade que fiz muitos amigos e músicos que toquei juntos durante anos, fiz boas parcerias e até fiquei casado durante sete anos nesta cidade.

WG – Em 2012 você lança seu primeiro cd “Translação”. Do conceito original até a gravação demorou muito?
ChU – Sim, lancei este cd em 2012; mas as músicas foram feitas em 2009. Dai houve um tempo para conceituar as músicas e executá-las de maneira ideal; mas, para gravar, demorei apenas 12 horas, ou seja, dois dias de gravação, seis horas por dia.

WG – Como o projeto abrange as estações e dentro delas, os meses, começar pelo verão foi uma opção lógica ou aleatória?
ChU – O ano começa no verão para os habitantes do hemisfério sul como o Brasil e demais países. Natal e virada do ano são no final de dezembro; solstício de verão cai no dia 21 de dezembro, portanto, creio que foi uma opção intuitiva.

WG – Houve uma relação entre as estações/meses com os ritmos musicais brasileiros?  Ou foi tudo criação espontânea?
ChU – Eu sou uma pessoa que se deixa influenciar muito pela natureza; admiro e contemplo o tempo todo, a minha existência. Tudo tem ritmo, três meses para cada estação é como se fosse um compasso de valsa. O mundo dança uma valsa quando gira em torno do sol…rsrss Estou brincando claro, mas quase que isso é uma verdade. Espontaneamente acho que os meses e o ano passam na minha frente, portanto, compus estas músicas sem muito planejar, ou escrever inspirado nas músicas e ritmos brasileiros que estava aprendendo naquele momento. Porque eu sou assim: a vida é minha escola e nela aprendo e depois faço para ver se aprendi mesmo. Rsrs . Esse é meu caminho

WG – Atualmente, você tem projetos dedicados à música brasileira?
ChU – Atualmente não tenho projetos dedicados a música brasileira, porque faz aproximadamente 10 anos que aprendo e toco todo dia uma música que, na verdade, não pertence à minha cultura original. Acredito que chegou um momento de volta à minha origem e tocar mais músicas turcas ou do oriente, portanto, voltar às minhas origens. Na realidade, acho que há uma carência de divulgação dos diferentes estilos e culturas presentes dentro do país.

Eu acredito que isso é riqueza, ter diferentes estilos re-influenciando as culturas, afinal, de onde vêm o choro ou samba? Ambos vieram da Europa e da  África e se amalgamaram por aqui no Brasil, criando uma nova identidade musical. As influências são universais, todas as culturas surgem umas dentro das outras.

WG – Conte-nos um pouco sobre a relação da música com a astronomia, um tema que é muito importante na sua vida.
ChU – Música está em tudo; a Astronomia também. A Astronomia é um estudo multidisciplinar, que envolve quase todas as áreas, como a geologia, cosmologia, história, astrofísica, física, matemática, biologia, arqueologia, emfim, tudo! Pense bem na música: falamos que é uma linguagem universal, e agora você pode imaginar a história sem a música? e pode imaginar uma biologia sem a música? Música é a vida! A música está presente na matemática, está na geologia! Está presente em todo lugar.

Musica e Astronomia  estão em todo os lugares! Quando você aprende sobre outro planeta, você reflete sobre o seu planeta, e abrange seu limite de conhecimento mais longe. Mesma coisa quando você aprende música de uma outra cultura você abrange o seu conhecimento além das fronteiras e isso irá refletir na sua música: é uma interação cósmica que acontece quando dentro do mesmo planeta, os desconhecidos se conhecem.

WG – Quais serão seus próximos passos em termos da sua música?
ChU – Eu nunca sei para onde a música poderá me levar, Só sei que ela faz com que o desconhecido seja conhecido! O mal seja bom! o deseducado seja educado, a música me educa, ela é minha professora, eu aprendo o que ela me ensina, porque ela é a verdadeira professora! Tenho também objetivos a realizar, como montar meu próprio estúdio e compor músicas para cinema, teatro, ou independentes. Gosto demais trabalhar com a música fazendo arranjos, composições, fazendo instrumentos, inventando: enfim, criando sem parar!