Augusto Pio, Estado de Minas, 11/03/2023
Livro do jornalista Ricardo Schott resgata a trajetória do Terra Trio. Grupo musical participou de momentos importantes da carreira de Maria Bethânia, trabalhou com Fauzi Arap e deixou sua marca registrada na MPB.
Formado em 1966 pelos irmãos Fernando Costa (contrabaixo), Ricardo Costa (bateria) e Zé Maria Rocha (piano), o Terra Trio acompanhou Maria Bethânia, Nara Leão, Sueli Costa, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, Dorival e Nana Caymmi, entre outros grandes nomes da MPB.
Com o objetivo de não deixar o trabalho importante dos irmãos cair no esquecimento, o jornalista, escritor, podcaster e radialista fluminense Ricardo Schott lança o livro “Terra Trio – Uma família musical com os pés na Terra” (Editora Sonora).
Fernando, Ricardo e Zé Maria lançaram apenas um LP, “Terra à vista” (Elenco), em 1969, embora tenham se apresentado ativamente como trio até 1980. Em 1983, reuniram-se novamente para viajar à Argentina com Maria Bethânia. Na ocasião, o trio gravou com ela o álbum “Ciclo” (Phillips).
No mesmo ano, os três participaram, na Itália, do espetáculo “Bahia de todos os sambas” ao lado de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, Dorival e Nana Caymmi.
A história do Terra Trio passa também por Sidney Miller, Áurea Martins, Pedro Santos (o percussionista Pedro Sorongo), Sueli Costa, Marisa Gata Mansa e Martinho da Vila.
O acervo de dona Emília
O livro foi feito a partir de entrevistas com o grupo e artistas que trabalharam com ele, além do extenso material compilado pela mãe dos três, dona Emília.
“Não por acaso, vários artistas falam que dona Emília, antes de ser a mãe deles, era a mãe do Terra Trio e, por consequência, a mãe de toda uma sonoridade que marcou a MPB”, diz o autor.
“Bethânia me falou muito bem do grupo. Disse que adoraria fazer coisas com eles de novo. Cheguei a entrevistar a Sueli Costa, que deu detalhes da parceria deles. Sueli frequentou a casa da mãe dos meninos”, afirma. Carioca criada em Juiz de Fora, Sueli morreu no início deste mês, na capital fluminense, aos 79 anos.
Fernando e Ricardo são irmãos. Zé Maria é mineiro de Ubá, mudou-se para o Rio de Janeiro e foi morar com os dois. “Acabou adotado pela família Costa”, conta Schott.
Os três formavam, na verdade, uma comunidade musical. “Viviam juntos inicialmente no apartamento que ficava em cima do Veloso, o bar da moda de Ipanema que mudou seu nome para Garota de Ipanema. Depois, moraram na vila que existe até hoje na Rua Vinicius de Moraes. O Fernando ainda vive lá.”
Entre os discos emblemáticos da MPB que contaram com a participação do trio está “Viagem”, de Marisa Gata Mansa, lançado em 1973.
“Eles também trabalharam muito com o Fauzi Arap, grande diretor de teatro paulista, que dirigiu a maioria dos shows de Bethânia nos anos 1970. Aprenderam muito com ele”, comenta o jornalista.
O solitário álbum do grupo, “Terra à vista”, foi produzido por Nara Leão. “Raro e caro, o LP foi lançado recentemente em CD no Japão até por, digamos assim, um descuido do próprio Ricardo, que deu a capa para um colecionador japonês. Depois, viajou para o Japão e viu as cópias sendo vendidas lá. Nem dá para dizer que foi descuido, porque, na hora, ele não ligou muito para aquilo”, conta Schott. Na época em que isso ocorreu, desconhecia-se o fato de japoneses cultuarem a MPB.
Schott chama a atenção para a trajetória peculiar dos irmãos. “Pegaram bastante aquela época dos trios, mas o mágico neles é que acabaram migrando para a coisa do cinema e do teatro”, comenta.
Outra dimensão com Bethânia
“O Zé Maria é fanático por filmes. E teve a coisa do Fauzi Arap dar dicas, dizendo: ‘Vocês tocam deste jeito aqui, para provocar tal reação no público’. Acabaram levando essa coisa de trio influenciado por jazz para outras dimensões. Ainda mais com a Bethânia junto. Com ela, você entra em outra dimensão, não tem jeito.”
Interessante notar que o Terra Trio pouco participou dos famosos festivais dos anos 1960. Schott informa que, atualmente, volta e meia o grupo se apresenta com a cantora Áurea Martins. “Também fazem espetáculos e shows nas noites cariocas.” Segundo ele, Ricardo trabalhou com Paulinho da Viola, Zé Maria se apresenta na noite e Fernando dá aulas.
“Infelizmente, o trio é praticamente esquecido pela bibliografia da história da música brasileira”, lamenta o jornalista. “Não se vêem entrevistas deles em livros, não se vê a história da música brasileira contada por eles. Meu livro propõe um passeio na história da música brasileira a partir da visão do Terra Trio”, finaliza.