Lucas Telles apresenta suas armas: ‘Outono’!
Dessa nova safra de instrumentistas e compositores que se destacam dentro do cenário da música instrumental brasileira, um deles é o violonista de 7 cordas, o belorizontino Lucas Telles. Lucas já era incensado como um grande talento dentro do meio musical por seu trabalho no quarteto Toca de Tatu. Agora, em plena primavera criativa, Lucas lança seu trabalho solo ‘Outono’. Vamos conhecer um pouco de sua vida e arte.
Wilson Garzon – Você nasceu numa família de músicos? O violão foi sua primeira escolha?
Lucas Telles – Meu pai é músico amador, baterista, e desde criança me influenciou muito me ensinando algumas levadas, ouvindo música junto e assistindo ele tocando com amigos e bandas que teve. Foi ele quem me deu meu primeiro instrumento, uma guitarra elétrica, que ganhei aos 10 anos. Tem também meu tio, Cyro Telles, irmão do meu pai, que é um grande produtor musical e me ensinou muito sobre esse trabalho. Temos sempre excelentes papos sobre música em geral, e além disso, ele tem importância fundamental no primeiro disco do Toca de Tatu (Meu amigo Radamés – 2013), quando trabalhou conosco na produção do disco. Do lado da minha mãe, apesar de não ter músicos, tive sempre muito apoio dela e da minha família, incentivando os estudos e a dedicação à música. Foi na casa de minha vó materna, por influencia de um tio, irmão da minha mãe, que comecei a tocar violão, aos 8 anos.
WG – Quando começou a se interessar pela música instrumental brasileira? Foi aí que migrou para o violão de 7 cordas?
LT – Meu interesse pela música instrumental começou na adolescência; enquanto estudava e me desenvolvia na guitarra comecei a ouvir os grandes guitarristas de jazz e fusion e a me interessar por essa linguagem. Logo depois comecei a estudar violão clássico, aos 15 anos, e isso me levou naturalmente aos grandes violonistas e compositores brasileiros para violão, como Dilermando Reis, João Pernambuco e Garoto.
Nesse período, o Raphael Rabello se tornou uma grande referência de instrumentista e, através dele, entrei no universo do choro, conheci o Dino 7 Cordas, a música brasileira de forma geral, e me apaixonei cada vez mais por essa linguagem. Eu peguei meu primeiro violão de 7 cordas em 2009 (10 anos atrás!), quando já estava tocando choro com um grupo de amigos da UFMG, e com o tempo fui cada vez mais concentrando minhas atividades com esse instrumento. A nota grave a mais do 7 cordas, para além da linguagem de baixaria do choro, possibilita muitos novos caminhos para o violão, o que me encanta muito.
WG – Sua evolução como músico caminha junto com a de compositor?
LT – Acredito que sim. Sempre tive um impeto criativo e uma busca por entender as questões teóricas da organização musical, acredito que conforme me desenvolvi e estudei fui me tornando cada vez mais capaz de criar minhas próprias músicas e de me expressar através dessas obras. Sou um compositor que alia bastante a intuição com as técnicas e conhecimentos adquiridos no estudo musical, penso que a cada momento com a música, a cada nova obra que escuto, ou que aprendo a tocar, estou também aprimorando minha linguagem e me alimentando de recursos composicionais.
WG – O quarteto ‘Toca de Tatu‘ começou como a reunião de amigos com o mesmo projeto musical? O cd em cima do Gnattali foi a maturidade do grupo?
LT – O Toca de Tatu começou na faculdade de música da UFMG. A pianista Luísa Mitre queria gravar algumas interpretações para enviar para editais e eu já estava com algumas composições e queria fazer o mesmo, então chamamos grandes amigos e músicos habituados com a linguagem do choro para se juntar a nós e colocar em prática esses anseios. Acredito que o disco de Gnattali foi uma coisa natural. Todos somos muito fãs do maestro e tocar suas músicas era uma vontade desde o início do grupo. O resultado dessas interpretações nos deu muita alegria e, por isso, resolvemos registrar esse trabalho em disco.
WG – Nesse domingo, dia 11/08, você lança ‘Outono’, no Savassi Festival, seu primeiro trabalho solo. Quando surgiu o projeto desse disco? Do conceito à gravação quanto tempo levou?
LT – Gravar meu primeiro disco autoral já era uma vontade de muito tempo, que acabei adiando por estar sempre envolvido com o trabalho de diversos artistas em BH. Então, durante o ano de 2018, resolvi que colocaria esse projeto como prioridade, comecei a selecionar músicas dentre as minhas composições e fiz um plano de criação de novas músicas que gostaria de unir com as antigas, para criar um álbum interessante.
Acabei compondo 5 músicas novas especialmente pro disco, escolhendo 2 antigas que gostaria de regravar e selecionando 2 inéditas que já havia composto anteriormente, durante uma imersão de compor uma música por dia, que fiz entre o final de dezembro de 2017 e o início de janeiro de 2018. A formação do grupo nasceu naturalmente durante o ano de 2018, enquanto planejava o disco. A Luísa Mitre é minha companheira de música desde muitos anos, o Bruno Vellozo e o Gabriel Bruce são parceiros de trio que já estão comigo a algum tempo e o Breno Mendonça e o Alexandre Andrés são instrumentistas virtuoses e super expressivos que me emocionam muito e que eu sabia que tocariam minhas músicas com muito carinho.
WG – Os nove temas que compõem o repertório de ‘Outono’ são inéditos ou foram criados cada um numa época diferente?
LT – Outono, Oração, Forró Truncado, Cachuêra e Choruetto foram compostas em 2018, especialmente para o disco. Aurora e Abluesado foram compostas também em 2018, mas antes de decidir gravar o disco, então criei arranjos especiais para incluí-las e conectá-las no álbum. Lindeza e Segura Essa são músicas mais antigas e que tenho muito carinho, elas foram premiadas em concursos de composição e estão presentes nos discos derivados desses eventos, a Lindeza no cd Novas 3 (2017) e a Segura Essa no disco do I Festival Choro Novo (2011). Para essas duas fiz questão de mudar o arranjo e criar uma nova roupagem que difere das versões antigas e se encaixa na história do CD Outono.
WG – Conte-nos um pouco sobre cada um deles sobre estilo, arranjo e se foi dedicado a alguém.
LT – Abluesado é um choro maxixado bem animado, com cara e forma de Blues, e com uma melodia saltitante;
Outono é uma música que não sei como enquadrar em algum gênero, mas que tem muita influência de compositores que admiro muito, como Dave Brubeck, Leo Brouwer e Egberto Gismonti;
Aurora é uma valsa com ar seresteiro;
Cachuêra é um jongo bem melodioso e rítmico;
Oração é uma reflexão e uma união pacífica de diversas linguagens, unindo a minha maneira referências de músicas religiosas diversas, como o moteto renascentista, a música do oriente médio e a folia de reis, tudo com um ambiente jazzístico e polifônico, é uma espécie de pedido de paz coletivo, fruto de diferentes vozes;
Choruetto é uma brincadeira misturando o choro com o minuetto barroco;
Lindeza é uma canção com ar meio impressionista e ao mesmo tempo bem brasileira, que fiz dedica à minha companheira de vida e grande apoiadora de todos os momentos, Luísa Mitre;
Segura Essa é um choro moderno;
Forró Truncado é um forró com ritmos bem quebrados e brincalhões, e com uso de uma escala musical inusitada e inusual, difundida por compositores como o francês Olivier Messiaen e o russo Alexander Tcherepnin.
WG – Você tem outras agendas de apresentação para ‘Outono’?
LT – Tenho dois shows de premiação do BDMG Instrumental desse ano. Dia 25 de setembro tocamos no CCBB-BH e no dia 30 de setembro tocamos no SESC Consolação em São Paulo. Os dois terão participam da flautista e compositora Léa Freire, que é uma das compositoras brasileiras da atualidade que mais me inspiram e que é uma grande referência para o meu trabalho, em especial para esse disco.
WG – Que outros projetos estão sendo preparados para os próximos anos?
LT – Agora a ideia principal com o trabalho autoral é circular o show e divulgar bastante as músicas. Estamos planejando um disco novo para esse ano ainda com Toca de Tatu também, o terceiro do grupo. Eu e a Luísa Mitre estamos organizando para o ano que vem a produção de um disco do nosso duo, para comemorar nossos 10 anos de trabalho juntos.