Luis Nacht, ‘Curanto’ e a riqueza da improvisação
Fernando Ríos, 27/11/2023, www.argentjazz.com.ar
Através do seu trabalho, costuma-se dizer, cada artista escreve a sua própria autobiografia. Em Luis Nacht, músico inquieto e protagonista singular do novo jazz que se faz nestas geografias, esta história desenrola-se ao longo de 11 discos de sua autoria, nos quais o saxofonista construiu uma perspectiva pessoal, sempre aberta à diversidade.
O último desses registros; Curanto, lançado recentemente pelo Club del Disco, mostra-o novamente no seu duplo papel de instrumentista e compositor, com um punhado de canções em que a improvisação dá o rumo. “Boa parte da riqueza desta música é justamente não sabermos de antemão o que vamos fazer”, afirma com entusiasmo.
Qual é a origem deste Curanto ?
É uma música que compus nos últimos dois anos e que tenho tocado com esse mesmo grupo. São músicas que amadureceram todo esse tempo e que finalmente decidimos gravar.
E quando você leva para o grupo, eles já estão totalmente definidos?
Não para nada. Eu venho com a ideia principal. Com o motivo. Depois, há muita liberdade para cada pessoa contribuir com a sua. Já faz muito tempo que faço essa forma de fazer música e todo o grupo está muito envolvido. Todo mundo conhece o tema. Então, o resultado musical é produto direto desse compromisso de apropriação da ideia inicial.
E como ocorre esse processo interno? Há ensaios ou é direto no estúdio?
Nunca ensaiamos, nem para gravar. E é daí que vem essa riqueza, sem saber o que vamos fazer…
E como se define que finalmente as músicas que farão parte do álbum?
Para este álbum gravamos três versões de cada música. E em cada um deles tentamos fazer algo diferente. Às vezes modificamos a velocidade da música ou testamos o andamento. Outros vezes, mudamos os momentos em que a música para e coisas assim. É como se fossem temas diferentes. É uma forma de pesquisar, de experimentar e também de se divertir, de se sentir confortável.
Imagino que essa busca esteja intimamente relacionada ao tempo que estão juntos…
Completamente. Toco com esses músicos há quase 20 anos. Portanto, existe uma linguagem comum. Um amadurecimento coletivo. Todos nós entendemos o que o outro quer fazer. Estamos mais focados. O grupo chega então a um momento de amadurecimento. E esse momento é aquele que deve ser aproveitado para deixar registrado.
Você tem 11 álbuns como líder. Mas até agora Mariano Otero (contrabaixo) só tinha estado no segundo deles, Nach Mood de 2003 e em La hora inexacta de 2018…
No primeiro álbum que você mencionou há duas duplas de cozinha. Num Mariano com Pepe Taveira (bateria) e no outro Oscar Giunta (bateria) com Guillermo Delgado (baixo). Mas é verdade que conheci pouco o Mariano nestes anos todos e concentrei-me mais na dupla de Jerónimo Carmona (baixo) e Carto Brandán (bateria).
E o que fez você decidir chamá-lo agora para o Curanto ?
Aqui, eu queria o som do baixo elétrico. Mas não qualquer baixo elétrico. Eu queria o do Mariano. Porque ele traz uma visão de música e uma sonoridade que eu precisava, que também gosto muito.
O que é comum encontrar em seus grupos é um par de guitarras elétricas.
Tudo tem a ver com a mesma coisa. Estou interessado em ambas as guitarras, mas não em qualquer guitarra. Juan Pablo Arredondo e Pato Carpossi têm uma forma de tocar muito particular. Além disso, tecem entre si uma sonoridade que acho muito interessante, muito pessoal.
Não sei se estou certo, mas acho que grupos com duas guitarras elétricas não costumam ser tão comuns no jazz… além do Miles dos anos 70.
Mas há mais. Você encontra isso na música de Paul Motian, por exemplo. Na Electric Bebop Band dos anos 90. Nesse grupo às vezes há até três guitarras e dois saxofones.
Você justamente presta homenagem a ele na primeira versão do álbum.
Presto-lhe homenagem em Re Motian, porque sinto que aquela canção é composta no espírito de algumas das suas composições. Reparem que aqui há a mesma melodia que se repete inúmeras vezes, com aquele ar de hino ritual…
O álbum é apenas virtual ou terá edição física?
Por enquanto apenas digital. Existe o projeto de lançá-lo em vinil. Mas isso está nas mãos da Disco Club. É um projeto que ficaria concluído no próximo ano…