Melissa Aldana: “A música sempre foi minha forma de sobrevivência, hoje é meu propósito”
Fernando Rios, Infobae Cultura, 24/07/2023
“Senti que tinha muito a dizer por causa de todas as experiências que vivi ao longo de 2020, quando a pandemia me atingiu e cheguei ao fundo do poço”, diz Melissa Aldana, que não se refugia em desculpas. De forma direta e contundente, a saxofonista chilena detalha para o Infobae Cultura a origem de 12 estrelas , seu primeiro álbum como líder editado pela histórica gravadora Blue Note, que apresentará no Bebop Club nesta segunda-feira, 24 de julho e terça-feira, 25 de julho, em duas apresentações por noite.
Hoje, aos 33 anos, Aldana já estabeleceu uma base no Brooklyn e faz parte da nova geração de performers do norte do país, com reconhecimento internacional que lhe permitiu obter indicações ao Grammy e colaborações com as figuras mais destacadas do cenário mundial.
O álbum que apresentará em Buenos Aires foi produzido pelo guitarrista norueguês Lage Lund, parte essencial de seu grupo. Uma colaboração inesperada se destaca aí: a talentosa Cécile McLoren Salvant, uma das grandes vozes da atualidade e amiga pessoal de Melissa, é a autora da ilustração da capa.
— Você montou seu último álbum, 12 estrelas, no início da pandemia. Como foi todo esse processo?
—Escrevi o álbum em momentos de crise. Entendi que não havia melhor forma de expressar tudo o que acontecia comigo do que com a música. Os medos, as sensações, tudo isso. Para mim o disco é um reflexo de tudo o que me aconteceu naquela época.
— Quando você fala em crise, está se referindo ao que aconteceu com todos nós na pandemia ou inclui aí questões pessoais?
-Dos dois. A época da pandemia também significou para mim um momento de crise pessoal. Foi quando me divorciei e passei por esses processos que nos conectam a todos. Por volta dessa época comecei a passar dos 30 e é aí que você começa a perceber quem você é. Você começa a se definir como adulto, entende seus traumas familiares. É inevitável. E ali surgiram 12 estrelas.
— Em algum momento você também apontou a influência do Tarô nessas composições
-Sim, totalmente. Nesses momentos de crise comecei a estudar o Tarô. E conforme fui me aprofundando, percebi que, além de sua parte divinatória, me interessava muito sua história. Fiquei fascinado com isso. E descobri que o processo descrito no Tarô é o mesmo com o qual todos nós lidamos ao longo de nossa jornada na Terra. Tem a ver com o processo de evolução da alma. Cada um de nós tem uma Carta Maior que o representa, com o positivo e o negativo. A minha é a terceira, que é a Imperatriz. E a imperatriz tem uma coroa com 12 estrelas. Isso é o que me representa. E é por isso que chamei esse álbum assim.
— Levando em conta que não é fácil se distanciar, ser objetivo com a própria criatividade, o que você sente agora, ao ouvi-la?
“É como você diz.” É difícil distanciar-se do que se faz. Não sou obcecado por discos. Eu os ouço mais do que tudo para saber o que tenho que melhorar. Mas além disso, estou sempre estudando, escrevendo ou tentando aprender algo novo. Esse é um processo contínuo para mim. E nesse contexto, o disco é apenas a representação de um momento. O melhor que pude fazer naquele tempo. Então, quando ouço algum tempo depois, sinto que já sou outra pessoa. E o disco é um lembrete de onde eu estava musicalmente e emocionalmente quando o gravei.
— Além da distância e da evolução, parece ser um álbum especial para você do íntimo, do pessoal.
—Este é um álbum muito importante para mim. Senti que tinha muito a dizer por causa de todas aquelas experiências e do processo pessoal que passei, agora me sinto mais conectada comigo mesma e com minhas próprias imperfeições, e descobri que o mesmo acontece comigo com a música. Abraçar tudo o que ouço, tudo o que toco, até os erros, tem mais sentido do que a perfeição.
— Embora você venha a Buenos Aires para apresentar 12 estrelas, seu primeiro álbum pela Blue Note, é um disco que já tem um ano. Você está projetando um novo trabalho?
—Tenho um disco em preparação, que também será lançado pela Blue Note. São quase todas músicas minhas e como na anterior tem arranjos de Lage Lund. É um álbum que fala também de um processo pessoal. Mas o processo que estou vivendo agora, que tem a ver com o fato de que muitas das respostas que sempre busquei fora, estão na Melissa que eu sabia que está dentro de mim. Falam daquele profeta que mora dentro de um; que é o inconsciente, que sabe o que está acontecendo e sabe para onde você deve ir; e aprender a ouvir. O disco fala sobre isso.
— Você mencionou Lage Lund, que é um colaborador próximo seu. Mas ele não estará em Buenos Aires…
— Não, vamos com um quarteto de piano. Lage mora na Noruega, é uma viagem muito longa e muito cara até Buenos Aires. Então me pareceu interessante trazer o Lex Korten, que é um garoto muito jovem e muito talentoso, com quem venho trabalhando e que também é o novo integrante da minha banda. Isso significa que, embora façamos músicas de 12 estrelas, uma parte importante do show serão as músicas que estão por vir.
— Você disse que tanto 12 estrelas quanto seu próximo álbum respondem a processos íntimos e pessoais. Você registra Visions, sua vaga de 2019, antes da pandemia, na mesma busca ?
-Absolutamente. Foi um período em que me interessei muito pela vida e obra de Frida Kahlo. E comecei a entender que cada um na sua arte é o reflexo do seu processo pessoal. Foi uma época em que comecei a fazer terapia e a me conhecer um pouco melhor. Venho de uma infância nada fácil, de uma sociedade muito particular. Então, de uma forma ou de outra, sinto que meus registros sempre vão refletir esses processos de mudança, de aprendizado, de crescimento, às vezes tão dolorosos.
— Você mora em Nova York há anos. Imagino que não terá sido uma decisão fácil e que também não terá sido fácil se inserir e fazer parte da cena.
-Para nada. Acho que ir para lá foi uma decisão inconsciente. Uma maneira de escapar do que me oprimia e ser eu mesmo. Só agora estou ciente disso. No começo eu estava no modo de sobrevivência. Foi só mais tarde que aprendi sobre a responsabilidade que significa ser músico. Para estudar esta música. Para conhecer sua história. Comecei do zero e tive sorte que muitas pessoas me ajudaram. Que meu pai incutiu em mim a disciplina do estudo. Mas também toquei em bares por alguns dólares até as quatro da manhã ou vivi anos em um sofá-cama. Foram anos muito duros, muito difíceis. Porque não basta apenas jogar bem. Mas acho que tudo faz parte do processo. Do que tinha que acontecer.
— Você diz que só jogar bem não basta. Que outras qualidades são necessárias então?
—Tem muita gente que joga bem. É uma cena muito pesada e é difícil ganhar espaço. Acho que você tem que se armar em muitos aspectos. Tenha uma visão clara do que você quer fazer e esteja preparado para quando a oportunidade chegar. Estudei muito e tive a sorte de vencer o Thelonious Monk International Jazz Competition, no qual meu pai havia sido semifinalista há muitos anos. Fui a primeira mulher a vencer e a primeira sul-americana. Tudo isso me deu um impulso importante.
— Falamos de crises e tempos difíceis. De aprendizado e crescimento. Lembro-me do pianista Horace Silver dizendo que a música cura. Você sentiu algo semelhante nesses anos?
-Completamente. Agora, quando estou mais velho, finalmente entendo porque sou tão apegado à música. Por que eu toco sax? Quando eu era mais jovem, achava que tocava música só porque gostava. Agora entendo que há uma conexão muito mais profunda. Sei que a música tem sido minha forma de sobrevivência . Hoje é o meu propósito. É a forma de estar conectado comigo e com tudo que me cerca. Quero sentir cada vez que jogo. Quero me libertar toda vez que jogo. Claro que a música cura. O que mais poderia ser.