Lançamentos

Mônica Salmaso e Dori Caymmi lançam ‘Canto sedutor’

Daniel Barbosa, jornal ‘Estado de Minas’, 27/05/2022

Durante a pandemia, a cantora dividiu com Teresa Cristina o posto de rainhas das lives, graças ao seu projeto on-line “Ô de casas”, pelo qual convidava grupos e artistas para, remotamente, cantarem juntos. A participação de Dori Caymmi em um dos vídeos foi o embrião de “Canto sedutor”. Grande admiradora da obra do cantor, compositor, instrumentista e arranjador, ela conta que, depois de um primeiro encontro virtual para o projeto, que agradou muito a ambos, eles acabaram repetindo a dose outras três vezes.

“Ouvir nossas vozes juntas me deixou muito emocionada, e ver que Dori tinha gostado da experiência me deu coragem de perguntar se ele topava fazer um disco comigo. Tenho adoração por Dori há muitos anos, é questão de idolatria mesmo”.

Ela conta que, ainda durante a pandemia, começaram a trocar ideias a respeito e, em outubro do ano passado, entraram juntos em estúdio, acompanhados por um grupo de instrumentistas arregimentado pelo saxofonista e flautista Teco Cardoso, marido de Mônica, que responde pela produção do disco.

Quando a gente canta ‘Água do rio doce‘, isso tem uma força gigantesca, um outro peso se a gente pensa no rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho. Por outro lado, é difícil pensar numa música que te coloque dentro de Minas Gerais mais do que ‘Desenredo‘. Escutar essa música é estar entre uma igreja e outra de Ouro Preto.

A cantora aponta que são muitas as singularidades da obra de Dori que justificam sua reverência a ele. “Tem a beleza da voz, o bom gosto e o conhecimento que ele tem da música. Dori é um trabalhador da música, uma pessoa a quem interessa o capricho, fazer música da melhor maneira possível. Isso é fruto da dedicação de uma vida toda, de um mergulho”, afirma.

 

 

REPERTÓRIO

Mônica também destaca a personalidade musical e a sintonia da voz e do violão do seu parceiro em “Canto sedutor” – uma combinação que a deixa sempre emocionada. Ressaltando que Dori soube, com muito estudo e muito trabalho, levar adiante o legado do pai, Dorival, a cantora chama a atenção, ainda, para a generosidade dele para com seus pares. Tanto é assim que foi o próprio Dori quem, já de saída, delegou à cantora a função de escolher o repertório que seria gravado.

Ela diz que um primeiro recorte foi se ater às músicas feitas em parceria com Paulo César Pinheiro, com quem Dori compõe desde o final dos anos 1960. Ainda assim, Mônica admite que sofreu muito para chegar às canções que seriam gravadas.

“É daqueles casos em que o difícil não é escolher, é cortar”, diz, acrescentando que, durante o processo, Dori acabou por lhe enviar algumas músicas inéditas e que três delas – “Raça morena”, “A água do rio doce” e a faixa-título – foram incluídas no repertório.

Com relação às demais, ela aponta que o critério de escolha foi pensar naquelas que se adequavam melhor às suas vozes. “Eu queria muito a voz do Dori no disco, queria cantar com ele, então comecei a considerar, dentro do que eu tinha selecionado, aquelas canções cujos tons ficassem bons para nós dois, para que pudéssemos cantar juntos”, aponta.

Entram nesse rol clássicos como “Velho piano”, “Desenredo”, “Estrela de terra” e “História antiga”, canção nascedouro do projeto, executada no primeiro encontro da dupla para o “Ô de casas”, e também composições de uma safra mais recente, como “Vereda”, “Voz de mágoa”, “Delicadeza” e “Quebra-mar”, entre outras.

Minhas músicas falam desse lugar. É onde fui criado, um pouco em Minas, um pouco na Bahia, um pouco no Rio de Janeiro, sempre cultivando o amor pela música, pela literatura, pela pintura, pelas artes cênicas. Vivi um cenário que não tem nada a ver com essa coisa populista de hoje em dia. O Brasil de que falo é um país que me prometeram e não me entregaram.” Dori Caymmi, cantor e compositor

 

AMOR PELO BRASIL

Mônica diz que o conjunto da obra expressa o amor de Dori pelo Brasil e que essa é a principal marca de Canto sedutor. Ela observa que o parceiro no álbum enxerga o país pelo viés da cultura, que, conforme destaca, é muito rica e muito potente, um exemplo do que o país poderia vir a ser. “Acho que isso é o que está mais presente nesse disco, seguido pelo fato de que a gente está celebrando um encontro”, aponta.

Dori faz coro com Mônica ao apontar o Brasil como a essência de “Canto sedutor”, mas um Brasil que já existiu, se perdeu em algum momento de sua história e hoje é uma utopia.
Minhas músicas falam desse lugar. É onde fui criado, um pouco em Minas, um pouco na Bahia, um pouco no Rio de Janeiro, sempre cultivando o amor pela música, pela literatura, pela pintura, pelas artes cênicas. Vivi um cenário que não tem nada a ver com essa coisa populista de hoje em dia. O Brasil de que falo é um país que me prometeram e não me entregaram”, diz.

O tom desalentado com que Dori fala do Brasil de hoje contrasta com o entusiasmo que ele expressa ao comentar sobre o convite de Mônica para gravar o disco.
“Ela atingiu o nível das grandes cantoras do Brasil, é a melhor de todas da geração dela. Mônica é uma cantora excepcional, eu a igualo a Elis, Bethânia, Nana, essas grandes cantoras do Brasil. E além de ser uma grande artista, ela divide tudo, é muito generosa. Eu, que tenho quase 30 anos a mais que ela, fiquei muito honrado com o convite para fazer esse disco”, ressalta.