Entrevistas

Dom Angelo nos apresenta sua mais nova Arte

O músico, produtor e pesquisador Dom Angelo Mongiovi lançou no dia 8 de julho, o seu 3º álbum de jazz com temas de sua autoria, intitulado: Mongiovi Trio (2020, Boa Vista Jazz Records). Conheço muito a atual vertente do jazz pernambucano, que me foi apresentada pelo contrabaixista e pesquisador Bruno Vitorino, que  também foi crítico de jazz e colaborador desse site. Através de Bruno pude conhecer a obra de Dom Angelo e desde então fiquei muito impressionado pela sua criatividade tanto como instrumentista como compositor. Sem falar em sua ousadia como produtor. Nessa entrevista, Dom, além de nos detalhar seu último trabalho, também passeia pela sua carreira e histórias musicais.


Wilson Garzon –
Como foi a sua formação musical: Você fez a passagem do violão para a guitarra? Que Professores, Escolas e Influências foram marcantes na sua trajetória musical?
Dom Angelo – Caro Wilson, primeiramente, é um prazer poder compartilhar um pouco dos meus trabalhos jazzísticos contigo novamente. Vida longa ao site Clube de Jazz! Mas vamos lá, respondendo a tua pergunta, na verdade meu instrumento principal sempre foi a guitarra elétrica. Diante o atraso das instituições de ensino em Pernambuco, tive que me aprofundar no violão para cursar Licenciatura em Música na UFPE. Que acabou sendo bom, porque anos mais tarde toquei violão em mais de duas centenas de shows com a banda Seu Chico, grupo que formei junto com meus colegas da banda autoral Mula Manca & a Fabulosa Figura. Na guitarra, tive algumas aulas com Fred Andrade.

Mas considero que minha formação foi majoritariamente pela autoaprendizagem. Contudo, minha temporada de residência em Portugal, entre 2011 e 2017, período no qual cursei o mestrado e o doutorado em Performance em Jazz pela Universidade de Aveiro, conheci dois professores que “lapidaram” bastante meu entendimento da guitarra jazz, que foram Mário Delgado e Nuno Ferreira. Com eles conheci os trabalhos de Bill Frisell, Peter Bernstein, Kurt Rosenwinkel, Nels Cline, guitarristas com uma abordagem mais moderna do jazz.

 

 

WG – Em 2010, você lança Jazz Combo com repertório dos grandes mestres (Dizzy, Miles, Gershwin). Esse cd representa uma síntese da sua carreira até esse momento?
DA – Meu álbum de 2010, de nome homônimo ao projeto da época, o Dom Angelo Jazz Combo, foi minha primeira incursão oficial ao Jazz. Eu digo que foi um “cartão de visita”. Que por acaso rendeu ótimos frutos naquele momento. Mas ainda éramos muito “verdes”. Nosso sotaque jazzístico ainda estava em formação. Mas de qualquer forma, tenho orgulho de ter enfrentado os possíveis julgamentos de terceiros e ter vencido o receio de me expor como jazzista. Foi um álbum muito importante para o cenário do jazz pernambucano naquele momento.

WG – Já morando em Portugal, você lança o cd ‘Porto’ (2015), gravado no formato de sexteto com músicos lusos e repertório autoral. Qual foi o conceito desse trabalho?
DA – Aprendi muito com nossos irmãos portugueses. Não só de música e no campo da intelectualidade. Mas de educação civil de base, cidadania, respeito ao próximo e disciplina. Minha temporada em Portugal foi maravilhosa e muito inspiradora. Compus dezenas de temas e canções por lá. Algumas gravei, outras engavetei. Mas o álbum PORTO surgiu da união do útil ao agradável. Eu iria gravar um álbum de músicas autorais de qualquer forma. Mas quando percebi a oportunidade de conseguir fundamentá-lo em minha tese de doutorado, coloquei-o no “melhor de dois mundos”. É um álbum altamente artístico, mas também acadêmico, teorizado e analisado por completo em minha tese, de título “Num doce balanço: composições, identidade e tópicas do Jazz Brasileiro”.

 

 

WG – Em 2017 você retorna ao Brasil e retoma suas atividades como músico e produtor cultural. Desde quando foi criado o Mongiovi Trio? Quando conheceu Miguel Mendes (baixo elétrico) e Rostan Junior (bateria)?
DA – Quando retomei meus trabalhos em meados de 2017, já no Brasil, retomei também o projeto Dom Angelo Jazz Combo, onde, por exemplo, dividi palco com o Amaro Freitas Trio no Festival de Inverno de Garanhuns em julho daquele ano. Meses depois, o saxofonista Alex Corezzi me convidou para tocarmos em trio (sax, guitarra e bateria). Fizemos ótimas temporadas entre o final de 2017 e no primeiro semestre de 2018. No segundo semestre de 2018, o trio de Alex se desfez e resolvi montar meu próprio trio. Convidei Miguel Mendes, que já vinha tocando comigo desde que voltei de Portugal. Inclusive também fomos colegas em Aveiro, na mesma faculdade, onde Miguel cursou o mestrado, também em Performance em Jazz. E convidei um velho conhecido para ser o baterista, meu amigo Rostan Junior, que fez parte da Dom Angelo Jazz Combo entre 2010 e 2011.

Como produtor cultural, ressalto a idealização, junto com meu parceiro Antônio Pinheiro, do Festival Panela do Jazz. Hoje, um importantíssimo palco e plataforma que está servindo de vitrine aos músicos instrumentistas do estado, incluindo com um programa de rádio na Frei Caneca FM, apresentado por mim, que estreou neste mês de julho de 2020 em meio a pandemia.

WG – E o CD Trio, que está lançando agora, desde quando existiu a ideia de gravá-lo? Ele só foi possível com a criação da gravadora Boa Vista Jazz Records?
DA – O CD tem nome homônimo ao projeto musical, o Mongiovi Trio. Parece que gosto desse modelo de nomenclatura (risos). O nome do álbum, ser o nome do projeto. A ideia de gravá-lo surgiu da excelente resposta do público que acompanhou a Mongiovi Trio nestes últimos dois anos de projeto, onde fizemos vários shows e temporadas em diversos bares, pubs e palcos do Recife. Mas também pelo entrosamento musical e pela sinergia que emergiu no palco entre os integrantes (Eu, Miguel e Rostan). Mantenho sempre a prática da composição. O trabalho foi só o de escolher os que melhor se encaixavam com a instrumentação. Relativo ao selo Boa Vista Jazz Records, na verdade foi o lançamento do disco que puxou essa necessidade e urgência em ter um selo de jazz em Pernambuco.

Estamos com um novo cenário em formação, com comunidade criativa, locais regulares de shows, festivais (como o Panela do Jazz) e o surgimento de uma turma que tem um olhar mais global e moderno da música instrumental, como Amaro Freitas, Henrique Albino, Ítalo Sales, Hugo Medeiros, Silva Barros, Diego Drão, Waleson Queirós, dentre outros. Assim o selo surge com o intuito de apoiar essa efervescência, com a missão de registrar, divulgar e fortalecer a cena jazz de Pernambuco. Sou o idealizador do selo, mas não pude deixar de convidar meu amigo Bruno Vitorino para coordenar comigo esta empreitada; naturalmente por Bruno ser um dos maiores entusiastas e investigadores do jazz que conheço.

 

 

WG – O repertório é composto por 12 músicas. Tirando ‘Copo Vazio‘ de Gil, as outras 11 são autorais? Elas foram compostas para esse projeto ou foram criadas ao longo da trajetória do Trio?
DA – O álbum tem uma pitada artística fundamental. Coisa que reaprendi com os portugueses, que não separam o “ser músico” do “ser artista”. Cada performance, cada trabalho é feito com esmero. Diferente de muitos brasileiros, que se acham verdadeiros operários da música e não refletem sobre o cuidado estético e poético de suas obras.

O álbum tem a inserção de 4 poesias e uma intervenção musical em cantilena. Tudo servindo para dar uma narrativa ao álbum, onde se ouve 7 temas, sendo 6 autorais. O álbum é uma espécie de celebração ao caminho do “despertar da consciência” em consonância com o amor por minha família (pai, mãe, irmãs, avó e o meu filho de 5 anos, Antonino, o Tom). Por outro lado, o tema Copo Vazio é a parcela mundana e política desta narrativa, mas também um reflexo do show do Mongiovi Trio, que veio sendo aclamado também pelas releituras de canções da MPB e do universo Pop em arranjos jazzísticos instrumentais.

WG – Conte-nos sobre as participações do pianista Amaro Freitas e do cantautor Marcello Rangel.
DA – Convidei o Amaro Freitas por dois motivos principais: o primeiro por ele ser o músico pernambucano que maior teve prestígio no mercado do jazz internacional da nossa história (sem contar com o maestro Spok e o seu frevo). O segundo motivo por ser um contemporâneo meu que tenho grande admiração e respeito pelo trabalho que ele realiza. Amaro Freitas tem esse cuidado com a obra de arte, que mencionei acima.

Marcello Rangel, um antigo amigo, foi quem me “trouxe” de volta a ter contato com o universo da canção autoral, com o ambiente artístico independente e alternativo do Recife. Estar com Marcello, pra mim, é se alimentar de poesia, luta e reflexão existencial. É respirar inspiração.

 

 

WG – O processo de gravação e mixagem ocorreu tranquilo? Como está sendo programado a divulgação do “Mongiovi Trio“?
DA – O processo de gravação, como todo bom disco de jazz, foi captado ao vivo. O que ainda impressiona muita gente do ramo aqui em Recife. Por outro lado, a mixagem e a masterização foram feitas num processo de estruturação à distância, em conjunto com os técnicos Junior Evangelista (mixagem, Estúdio Carranca) e Pablo Lopes (masterização, Fábrica Estúdios). Mas fiquei extremamente contente com os resultados.

A divulgação está sendo incomum, por ser um álbum que foi lançado em pleno período de pandemia da covid-19. O álbum ainda nem existe fisicamente. Por enquanto ele é um site/disco ( www.mongiovitrio.com.br ) onde o público pode baixar o material, doando um valor de livre escolha (contribuição consciente). Fui um dos poucos artistas do Recife que buscou soluções práticas e financeiras neste período, mas curiosamente fui um dos que menos teve apoio da classe jornalística local. Talvez o despreparo dos profissionais, a incompetência e o sucateamento dos jornais daqui tenham refletido nisso. Ou talvez ainda seja aquele velho problema, dos jornalistas daqui só darem valor ao que é de fora, sem conseguirem observar as coisas que acontecem bem abaixo do nariz deles.

WG – Em relação à gravadora Boa Vista Jazz Records, está sendo planejado a gravação de outros cd’s? Estará voltada para a música instrumental recifense?
DA – Sim, sim. O selo Boa Vista Jazz Records tem como missão principal o registro de novas obras autorais, principalmente desta vertente mais moderna do jazz pernambucano. Contudo, buscaremos diálogo e aproximação com outros cenários, como o de Buenos Aires, o de Lisboa, o do Porto, o de Santiago (Chile), o de Barcelona, mas também de outras cidades do Brasil. Nossa forma de trabalho será sempre fundamentada na parceria, ou seja, buscando fomento da iniciativa privada, inscrevendo projetos em editais, auxiliando o artista na editoração e intermediando na cooperação entre estúdios de gravação e a classe artística.

Também pretendemos reeditar alguns álbuns pernambucanos de jazz, os quais podem ter passado despercebidos do grande público à época de seus lançamentos. Já temos a próxima ação em pauta, que será uma reedição de um álbum pioneiro do jazz em Recife. Anunciaremos detalhes em breve.