Os novos tempos de Daniel d’Alcântara
Há muito tempo que considero Daniel D’Alcântara um dos três maiores trompetistas do jazz brasileiro. E ele confirma, com sobras, esse veredito, ao lançar seu primeiro trabalho autoral: “Canções para Tempos Melhores”. E nessa entrevista exclusiva para o Clube de Jazz ele nos apresenta a sua trajetória musical, a sua arte composicional e sobre o cd “Canções..”.
Wilson Garzon – Em 2001, você grava junto com Edu Ribeiro o cd “Horizonte” em formato de quinteto. Antes dessa gravação, como tinha sido a sua trajetória como músico?
Daniel D’Alcântara – Antes do CD Horizonte, eu estava participando de muitos projetos como Sideman, já tocava na Soundscape Big Band (formada em 1999), tinha gravado com Edsel Gomez, pianista portorriquenho (98 onde toquei a primeira vez com Edu Ribeiro), Bissablazz do baterista Magno Bissolli, Noneto Rebop do grande guitarrista Alexandre Mihanovich, participava como substituto da Banda Mantiqueira e Banda Savana. Costumava tocar no All of Jazz com diversas formações diferentes. Já tinha participado de várias gravações de Música Instrumental o que me ajudou muito a formar a concepção que queria para este trabalho com Edu Ribeiro.
WG – Em “Horizonte”, qual foi o conceito desse trabalho?
DA – A ideia desde o princípio era tocarmos livremente, com muito espaço para desenvolver o discurso de cada integrante; não tínhamos a pretensão de que virasse um CD, mas marcamos o estúdio pra ver no que ia dar. Gravamos tudo em uma tarde e o repertório eu escolhi na madrugada anterior a gravação. Outro detalhe interessante é que só “Alcântara Blues” e “Tema na Saudade” tiveram dois takes, por conta de ajustes no andamento e duração das músicas, as outras tudo no primeiro take.
WG – Em relação às suas composições (“Sambajazz”, “Cachorro” e “Érica”) como foi o processo de criação?
DA – Estas três composições foram feitas pensando única e exclusivamente em improvisação, “Sambazz” é um Blues em F menor,forma muito apreciada por improvisadores, “Cachorro” foi inspirada em “Well we needn’t” do Thelonious Monk e na época eu escutava uma gravação com o trompetista Donald Byrd, que ele não fazia o tema e já saia improvisando, “Erica” eu compus muito tempo antes da gravação e originalmente era uma Valsa que eu transformei numa bossa lenta, lembrando, um pouco, as composições de Tom Harrell.
WG – E a emoção em tocar “Alcântara Blues”?
DA – Com relação ao tema “Alcantara Blues” é uma homenagem a minha família e ao legado dos meus tios e meu pai que é o compositor e costumava tocá-la em seu quinteto com meus tios Carlos Alberto e Nilson Alcantara. Cresci ouvindo eles tocando essa música nos ensaios lá em casa e confesso que não foi fácil tocar, pois eles tinham uma maneira muito relax, madura de tocar, Puro swing!!
WG – Depois de um ‘longo inverno’, em 2015 você apresenta seu primeiro trabalho solista, “Canção para tempos melhores”. Como foi realizado esse projeto?
DA – Em 2013 fui convidado pelo Paulo Braga a tocar no Petra Jazz Festival realizado em Ilha Bela, e tive a idéia de juntar esses músicos, para tocar algumas composições minhas e algumas de alguns compositores que admiro, como Mihanovich, Gustavo Bugni, Bruno Migotto, fizemos um ensaio para ver se as músicas funcionavam e este foi o começo deste Quinteto.
WG – O formato de quinteto é o seu favorito? Você toca com essa formação há quanto tempo?
DA – É um dos meus favoritos, principalmente pelas referências que sempre ouvi, Jazz Messengers, Miles Davis Quintet (com Coltrane e tb com Wayne Shorter), Horace Silver, Sambossa 5, J.T.Meirelles. Tocamos juntos nesta formação há 2 anos, mas na realidade nós cinco tocamos na Soundscape Big Band há mais tempo.
WG – O conceito do cd “Canções…” seria uma síntese da tua carreira, ou ele teria uma outra abordagem estética?
DA – Na realidade é um reflexo do que sempre imaginei como conceito de música improvisada, criação espontânea, entrosamento de grupo, mas isso tudo com Groove, Swing, ou seja a base rítmica tem que ser forte mas ao mesmo tempo flexível para que o imponderável surja e possamos tocar diferente sempre, mesmo que seja o mesmo repertório. A prioridade é a improvisação e as composições têm essas características, para mim o importante é olhar para o lado e ver e ouvir meus parceiros tocando coisas que eu gostaria de estar fazendo, assim o aprendizado e a cumplicidade aumenta cada vez que tocamos.
WG – Das seis músicas do CD, três são da sua lavra (“Samba Viscoso”, “SanMagno” e “Ilha Bela”). Elas foram criadas para esse projeto?
DA – Não sou um compositor muito ativo, as músicas vão aparecendo e as vezes demoro muito para tocá-las, “SanMagno” e “Samba Viscoso” são composições relativamente antigas e que se encaixaram bem neste formato. “Ilha Bela” eu fiz inspirado no quinteto do Miles Davis da década de 60, e toquei a primeira vez com este quinteto no Festival de Jazz de Ilha Bela em 2013, por isso o nome!
WG – Como está sendo a divulgação de seu trabalho? Espera levar em outras praças musicais? Vai estendê-la para festivais no ano que vem ou no exterior?
DA – Por enquanto somente por internet (Facebook, Instagram, etc.). Espero realmente tocar o máximo que puder com esta formação e se possível em todos os festivais de Música Instrumental daqui e do exterior, sei que não é muito fácil, mas a ideia desde o princípio é TOCAR o máximo possível.
WG – Que outros trabalhos (participação em cds, combos e bigbands) você desenvolveu entre os dois cds, que julga relevantes?
DA – Todos os cds da Soundscape Big Band (Maybe September, Uncle Charles, Cores e Paisagens Sonoras) gravei com um grupo chamado Blue Seven (com o saxofonista Ohad Talmor e o baterista Matt Wilson de NY, mais alguns músicos aqui de SP), tive o privilégio de tocar com a grande compositora Maria Schneider e também com o lendário Lee Konitz, participei de gravações com os grandes músicos como Sandro Haick, Fábio Torres, Edu Ribeiro, Chico Pinheiro, Cuca Teixeira, Paulo Paulelli, Arismar do Espírito Santo, Marcos Paiva Sexteto, Filó Machado, Rosa Passos, entre outros.
WG – Como anda a vida acadêmica?
DA – Tenho muito orgulho em dedicar boa parte do meu tempo para lecionar, e isso é também uma grande oportunidade para conhecer nossa nova geração de músicos. Leciono na escola Municipal de Música (SP), EMESP TOM JOBIM, e na Faculdade Souza Lima/Berklee.
WG – Há talentos no trompete surgindo na cena instrumental brasileira?
DA – Estamos muito bem servidos de trompetistas extremamente talentosos aqui no Brasil e posso dizer que evoluímos muito. Cito como grandes destaques da nova geração Diego Garbin, Sidmar Vieira, Bruno Belasco, Wagner Souza, Maycon Mesquita, Raphael Sampaio, Reynaldo Izeppi, Bruno Santos, Islan Santos.
Sem contar nos já consagrados Moisés Alves, Jessé Sadoc, Marcos Santos, Joatan Nascimento, Jorginho Trompete, Rogério Leitum, Walmir Gil, Fabinho Costa, Rubinho Antunes.
WG – Quais são seus projetos para os próximos anos?
DA – A princípio quero tocar mais com este quinteto e poder levar este som para vários lugares. Um Mestrado em performance também esta em meus planos. Toco em outras formações, que pretendo gravar em breve. Quanto mais Música, melhor!!!!
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Daniel D’Alcantara Quinteto – SanMagno (Sesc Ipiranga)