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Os tranquilos mares de Marcos Amorim

 

As fotos são de Nando Chagas
As fotos são de Nando Chagas

Wilson Garzon – Nascido dentro de uma família musical, quando foi que decidiu pelo violão? E quando foi que agarrou a profissão de músico?
Marcos Amorim – Foram dois momentos diferentes. Quando bem pequeno eu ia ver os ensaios de meu pai com a “Rio Jazz Orquestra”. Acho que não tinha esse nome ainda, ele foi um dos fundadores da orquestra. Eu ficava de olho nos sopros e no piano, queria de alguma maneira entrar para aquele mundo. Nos intervalos sentava no piano e metia a mão em qualquer nota e dizia que era uma música minha !! (rsrs) Nessa época eu tinha essa coisa que todas as crianças têm, que é não ter medo de não saber. Sabe como é? Você simplesmente acredita que você toca tudo e quem vai dizer o contrário? (rsrs)

Quando você vai crescendo vai perdendo essa confiança e começa a achar que tem que aprender de verdade e que você não sabe nada. Aí me afastei um pouco e só com quatorze anos é que meu irmão trocou um casaco que eu tinha por um violão velho. “Toma aí, aprende esses três acordes e me acompanha” Foi assim que eu comecei no violão, tocando D, C e G.

Daí fui tocando tudo que era acorde que passava na minha frente. Comprei um livro chamado 4400 acordes de guitarra. E fui indo sozinho. Montei bandas de garagem para tocar nos saraus dos colégios, festas juninas etc… Comecei a ouvir George Benson, Beatles, Rock Progressivo e muita MPB. (Chico, Tom, Vinícius os mineiros) E um dia meu pai me chama para entrar na banda dele porque o guitarrista tinha perdido os movimentos da mão e não tinha outro. Então não tinha jeito, para continuar ali, tinha que saber mais, e daí, comecei a ter aulas de harmonias com a Celinha Vaz!! Eu tinha 17 anos e já ganhava um dinheirinho tocando na noite. Montei meu próprio grupo e fui cavando trabalho nas boates.

WG – Quais foram as pessoas/músicas que o influenciaram na consolidação da sua carreira?
MA – Influências músicas foram muitas. Quando muito novo era a radio, muito samba, mas muita farofa também !! (rsrs)  Depois, Beatles, rock , Hendrix, blues (Eric Clapton, John Mayal, Jeff Beck) Tudo de MPB, (Gil, Caetano, Jobim, Vinícius, Chico, Edu Lobo) Hermeto, Egberto Gismonti, já  na  adolescência. Ao mesmo tempo Wes, George Benson, Pat Metheny, Pat Martino, John Abercrombie.  Nunca vou conseguir acabar essa lista. (rsrs). Tudo isso me influencia até hoje. Mas ter tocado com o trompetista Barrosinho por mais de 10 anos, foi fundamental para minha formação. Lá eu realmente tive minha Universidade . Universidade José Carlos Barroso. (rsrs)
https://www.youtube.com/watch?v=zIWsztfNNhg

WG – Nos anos noventa você lança ‘Boto’ e ‘Luz da Lua’. Conte-nos um pouco sobre esses projetos que o consolidaram dentro da cena instrumental brasileira.
MA – Pois é, naquela época agente ainda não tinha internet, “O Boto” foi um dos primeiros cds lançados de música instrumental. Era para ter sido LP, mas foi bem no meio da transição de uma mídia para outra. Teve gente que acabou tendo prejuízo nesta época. Optaram por LP e encalhou tudo. Simplesmente as lojas não aceitavam mais vinil. Eu tinha 26 anos e para lançar o primeiro trabalho tinha que ser CD ou LP. Hoje, um cara que está começando, pode botar um vídeo no Youtube, pode fazer um EP e milhares de pessoas vão assistir na hora.

Eu fui muito corajoso na época aluguei o melhor estúdio, gravei e mixei rapidamente e fui atrás de um patrocínio com uma empresa de telefonia, que bancou a prensagem de 3000 cópias. Fiquei com uma parte das cópias e arrumei uma distribuidora que fez toda a divulgação em rádios e tvs e colocou à venda no Brasil inteiro. A repercussão foi enorme, a crítica foi excelente, eu não imaginava que seria assim. Fiquei muito conhecido o que abriu espaço para o projeto seguinte “Luz da Lua”.  Esse já não tive o mesmo apoio, vendeu muito pouco e não teve a mesma repercussão. Mas é um dos que mais gosto. Tem participações memoráveis como Tomás Improta, Mauricio Einhorn e Vitor Santos, entre outros. 
https://www.youtube.com/watch?v=IxCFRJ5ypOA   


WG – A partir de 2003 você inicia uma parceria com o selo Adventure Music e desde essa data você gravou cinco cds: ‘Chris on the Farm’, ‘Sete Capelas’, ‘Revolving Landscapes’, ‘Portraits’ e ‘Sea of Tranquility’. Como aconteceu essa parceria? A partir dela a sua carreira se tornou mais internacional?
MA – Tudo começou quando na casa do Ney Conceição. Estávamos ouvindo as gravações do Cd que ele estava produzindo com o Robertinho Silva “Jaquedu”. Eu falei pra eles: “esse duo aí tem que ter uma guitarra, tem que ser um trio”. Daí, tive a ideia de chamá-los pra gravar o que seria meu terceiro CD; seria o primeiro de trio com os dois. Eu estava com pouca grana, o “Luz da Lua” tinha sido muito mal nas vendas, estava sem selo e por isso sem perspectiva nenhuma de lançá-lo. Teve até uma vaquinha dos amigos para  bancar os custos. Mas decidi fazer porque o resultado foi excelente, e não queria perder a oportunidade. Encontrei um amigo em uma festa que me falou de um selo em NY que estava começando e cujo dono era muito meu fã. O selo se chama Adventure Music. https://www.facebook.com/Adventure-Music-337996550295/

Já tinham contratado o Toninho Horta, Claudia Villela e Ricardo Silveira. Eu escrevi pra ele e falei que estava com um projeto recém terminado, perguntei se ele tinha interesse. A resposta veio no mesmo dia em minutos, mandei o Cd pelo correio e eles me mandaram o contrato. Foi assim que tudo começou, lançamos o “Cris on the Farm” com promessa em contrato para um segundo CD que viria a ser depois o “Sete Capelas“. Certamente minha carreira deu uma guinada, passei a ser conhecido em várias partes do mundo. Ganhamos quatro estrelas na revista Dowbeat pelo cd “Cris on the farm”.
https://www.youtube.com/watch?v=BvF_aEFlyM8
Nunca pensei em nada parecido com isso.  https://www.facebook.com/marcosamorimrj/photos/a.1687840894791950.1073741828.1683581918551181/1751599678416071/?type=3&theater

WG – Sobre seu último trabalho, ‘Sea of Tranquility‘, o que conceitualmente ele se diferencia dos demais? Como escolheu os músicos para participarem desse projeto?
MA – Existe uma característica muito comum em todos os meus trabalhos, que é a liberdade. Isso você vai encontrar nos meus sete títulos. Não escrevo muito, deixo muito espaço para criação. Por exemplo, escrevo os acordes e as tensões que eu quero mas os voicings fica por conta do pianista. O mesmo com a batera, nunca escrevo a levada completa, dou a intenção rítmica e o batera entra com sua criatividade. No baixo, escrevo as vezes uma dobra com a guitarra ou o piano, uso muito isso. Mas nunca especifico todas as notas, só no caso de uma dobra. Nisso o “Sea of Tranquility” é igual aos outros cds, talvez o que diferencie é que desde do meu terceiro cd “Cris on The Farm”, eu gravei tudo de trio, guitarra e  violão, baixo e batera.

Eu gravei todos os solos com o trio ao vivo e depois botei os violões ou guitarra acompanhando, o que dava uma atmosfera quente do ao vivo. Isso dava uma sonoridade de trio, mas na prática era um quarteto. Fiz assim nos três Cds que se seguiram. “Sete Capelas”, Revolving Landscapes” e Portraits”. Adoro esse método, porem quando você vai para o palco, muita coisa tem que ser adaptada, para ficar como no cd. Eu poderia chamar um outro violonista e guitarrista para completar os arranjos ou eu adaptava pro trio comigo fazendo as duas funções. Eu gosto muito disso, mas me sobrecarrega demais. No “Sea of Tranquility” eu queria muito o piano, que me da mais liberdade e eu fico mais de solista. Deste modo, fica uma gravação totalmente ao vivo, sem nenhum overdub, já que não preciso gravar os acompanhamentos depois. O piano faz tudo na hora junto com a gente. E ainda no estúdio que gravamos (Tenda da Raposa) tem um piano elétrico Fender Rhodes em perfeito estado, que eu queria muito usar, para ter uma sonoridade anos 70 no disco. Deste modo, a escolha dos músicos vem muito por aí, tenho que chamar músicos criadores e improvisadores.

É importante que o cara entenda tudo rápido e que aproveite de forma inteligente os espaços que vão surgindo. Chamei pro piano, o Itamar Assiere. Já havíamos trabalhado juntos e admiro muito sua inteligência e criatividade, além de ter uma leitura perfeita e rápida. No baixo acústico, Augusto Mattoso, grande músico; começamos juntos há muito tempo atrás,  acompanhando o Barrosinho Jazz Latino Tropical. Ele sabe tudo!! Na batera, o Rafael Barata, que muda o tempo todo os climas, de acordo com o solista, ele sabe como ninguém o que o solista quer no momento exato e o tempo todo ele sugere uma coisa nova e obriga o solista a nunca se acomodar e tudo isso vira uma grande conversa.  E tem Delia Fischer que tocou piano acústico, Fender, cantou, fez três lindas letras e improvisou como nunca em “Pedras Rolando”( Beto Guedes e Ronaldo Bastos)
https://soundcloud.com/user-677804422/pedras-rolando

WG – Em relação ao repertório:
a – ‘Sea of Tranquility’ e ‘Sea Time‘: o mar está sempre presente na sua obra? É também uma metáfora pessoal?
MA – Bem observado; o mar está sempre em todos os meu trabalhos. Fui criado perto da praia no bairro do Leme em Copacabana. A praia era o nosso quintal, eu e meus irmãos acordávamos bem cedinho pra ajudar a puxar a rede dos pescadores. Daí, a gente ganhava uns peixes de recompensa. Eu estava sempre na praia, de manhã antes do colégio e depois também. No Leme desta época, quando você queria encontrar alguém era só ir a praia que a pessoa estava lá !! (rsrs). E tem o fato da música de Caymmi ser uma forte influência na minha carreira. Além do mais, sou um leitor fanático das grandes navegações.  

b – ‘My african Goddness’ e ‘Dance of the five princess’: a primeira seria Yemanjá? e as cinco princesas?
MA – Não seria uma deusa africana especifica; essas duas músicas são uma referência à nossa descendência africana. Todo brasileiro tem algum gene negro por causa da forte miscigenação. As cinco princesas é uma brincadeira com o número cinco, a música é em compasso de 5/4 e eu uso muito a escala pentatônica no improviso. Pensei em cinco princesas negras por causa do ritmo negro que rola nela. Mas nada em relação a Yemanjá. No “Revolving Landscaes” tem uma música “Festa no Mar”: essa sim, é uma clara referência à festa de Yemanjá. 

c – Delia Fisher está presente em ‘January Ashes’, ‘The further away the closer I get’ e ‘Sea Time‘, como letrista e cantora. Como foi essa experiência?
MA – Ela gravou “Pedras Rolando” também. Quebrou tudo no solo de piano acústico. Essa parceria vem de muito tempo; a gente começou tocando juntos à noite, em uma boate. Nós estudávamos Charlie Parker juntos na casa dela.
https://www.youtube.com/watch?v=SyhDYuq0pD8
https://www.youtube.com/watch?v=OU_QCgvczYs
Sempre gostamos de canções; a vida toda ouvimos canções, além dos instrumentais da época. Quando ela voltou a mexer com isso nos seus últimos cds, eu a procurei e dei essas três canções para ela letrar e cantar. Eu tenho outras parcerias também, mas é a primeira vez que coloco em um cd meu. 

d – ‘Bolero’ e ‘Pedras rolando‘ para mim são as músicas mais jazzísticas desse cd. Como você pensou a questão do improviso nessas duas composições?
MA – Nunca penso no improviso antes de gravar, procuro deixar fluir na hora que estou gravando, fica mais espontâneo. Nessas, embora a improvisação seja um ponto forte, se você observar com mais calma, verá que são duas canções. Bolero não tem letra ainda, mas é uma canção. E a escolha de ‘Pedras rolando’ vem dessa amizade antiga com a Delia, como já disse, a gente ouvia muito Clube da Esquina quando estava começando, seria muito natural chamá-la pra gravar essa comigo.Na verdade, a improvisação nestas faixas são apenas um cenário para as canções.  Elas sim, são as protagonistas.
https://www.youtube.com/watch?v=RWMGm-S6aJM

WG – Como está sendo o lançamento do Cd aqui no Brasil? Que outras agendas de shows estão programadas por aqui?
MA – Fizemos o lançamento oficial no TribOz, e um pré lançamento no Semente. Duas casas muito legais para esse tipo de público. Virá mais coisa por aí; estamos trabalhando forte nisso. Eu vou colocando lá na minha fanpage do facebook:
https://www.facebook.com/marcosamorimrj/?fref=ts

WG – Quais são seus novos projetos?
MA – Estou pensando em gravar um vídeo ao vivo no estúdio com umas músicas do CD. Ainda não tem previsão para isso. Também estamos trabalhando para nos apresentarmos em festivais de Jazz, no Brasil e no mundo. Espero que, em breve, tenhamos um bom resultado.