‘Gente con swing II: quando o jazz também se lê
Fernando Ríos, www.argentjazz.com.ar, 27/04/2020
Em 2018, o jornalista Horacio Vargas nos surpreendeu com o livro ‘Gente con Swing’, uma notável seleção de textos sobre jazz de diferentes autores, muitos deles, pelo menos na aparência, nada relacionados à essa música e sua divulgação. Agora, dois anos depois, o diretor do selo BlueArt aparece em cena com o segundo volume de sua compilação, no qual reúne textos de Julio Cortázar, Boris Vian, Jack Kerouac ou Raúl González Tuñon e um punhado de músicos, escritores e jornalistas.
“Eu não sou um melômano ou um músico erudito. Talvez seja um arqueólogo (musical) atrás de restos de textos de jazz escritos em espanhol ”, diz Vargas na apresentação do livro, que por enquanto será lançado apenas em formato digital, aguardando a pós-pandemia, na qual os livros recuperarão o tempo perdido.
Talvez não haja começo melhor para um livro que fale de jazz do que um texto que aprofunde a relação entre música e as palavras. Segundo o grande poeta uruguaio Felisberto Hernández, “o silêncio andava entre os sons como um gato com sua grande cauda preta“. Essa citação faz parte e substância do texto Variaciones sobre el Bebop, a análise com a qual Carlos María Domínguez abre as portas do segundo volume de Gente con Swing, a coleção de histórias compiladas por Horacio Vargas.
É precisamente esse papel arqueológico assumido pelo próprio compilador (e celebrado por tantos leitores) que permite o encontro com textos quase perdidos ou de outros esquecidos entre as páginas de um velho diário, além da boa notícia de um punhado de inéditos ou de recente publicação.
E é por isso que, na primeira das cinco partes em que está dividida Gente con Swing II convivem vários textos que apelam pela memória emocional, como o de Miguel García Urbani, que lembra o amigo que o ajudou a descobrir Michel Petrucciani; a narrativa de Alberto Giordano e a história de sua discoteca junto com sua própria vida, a lembrança sincera de Chet Baker, de Pablo Bagnato, e do perseguidor cortazariano evocado por Néstor Tkaczek.
A segunda parte de Gente con swing II começa com a poesia que Raúl Gustavo Aguirre faz em sua invocação quase religiosa de Charlie Parker, seguida pela a que Paco Urondo faz evocando Jim Hall, seguida pela texto de Raúl González Tuñon no qual, “o jazz batendo seu som irregular e louco no palco, é o coração do tempo” e Los salzanitos, de Daniel Salzano. Nessa parte também estão os Dois poemas de Sun Ra e o Coro 241, onde Jack Kerouac invoca a santidade de Bird e Mario Trejo, com sua solidão acompanhada: “Leo, eu volto a ver um filme antigo, passo a noite em Coltrane“.
Na terceira parte da antologia compilada por Vargas, seguem as homenagens à Bill Evans. Primeiro com Federico Monjeau e a evolução da música segundo o introvertido artista, que morreu em novembro de 1980, mas cuja influência ainda persiste nos pianistas de hoje. Um deles, o argentino Adrián Iaies, recorda de tê-lo descoberto na adolescência, graças à orientação de seu então professor, Manolo Juárez, e que isso significou a sua porta de entrada para o mundo do jazz.
O jornalista Horacio Verbitsky comenta com sucesso, os dois álbuns que Bill Evans gravou com o cantor nova-iorquino Anthony Dominick Benedetto, mais conhecido como Tony Bennett. E por último, Joaquín Sánchez Mariño, que reconstitui um episódio que qualquer jazzista que se preze se arrependeria hoje: a visita quase inadvertida de Bill Evans à Argentina em 1979. Como o autor define: “uma memória feliz de um fracasso retumbante”.
A terceira parte é completada com o retrato de três trompetistas: Miles Davis por Eduardo De Simone, Clifford Brown por Paul Citrato e o latino Jerry González por Pere Pons, enquanto Claudio Kleiman oferece uma entrevista completa com Joe Pass, registrado em Buenos Aires em 1993, meses antes da morte do guitarrista.
A quarta parte da antologia começa com um ensaio de Berenice Corti, pesquisadora que abriu seu Jazz Club na Avenida Corrientes, no final dos anos 90, onde uma boa parte da nova geração de jazz local começou a transcender. Berenice investiga aqui com sua habitual solvência, a autenticidade negra do jazz argentino.
Páginas depois, Teodelina Basavilbaso nos oferece um retrato emocional dos últimos dias de Gato Barbieri em Nova York, enquanto Fernando Abaca se lembra da última visita do saxofonista a Rosario, sua terra natal, e da homenagem que o Newell’s Old Boys, seu clube do coração, fez a ele. O jornalista Gonzalo Chicote junta-se aos tributos com seu retrato de guitarrista Walter Malosetti, professor de gerações.
Também digna de nota neste capítulo são: a entrevista que Mariano del Mazo fez com Dino Saluzzi, o talentoso músico de Salta, que não é muito propenso a dialogar com a imprensa; a que Raquel Roberti fez com Luis Salinas; a conversa que Marta Lambertini teve com Gerardo Gandini e por último, o texto que Leandro Arteaga fez com Ernesto Jodos.
Casualmente, Gandini e Jodos compartilharam um disco a dois pianos, De Generaciones, gravado em 2006 pelo selo rosarino BlueArt. Encerra o capítulo o resumo de Adrián Baigorria sobre a recente história do trompetista Mariano Loiácono e um texto deste resenhista sobre ‘El Flaco’ Spinetta e sua influência nas novas gerações de músicos de jazz.
Como bonus tracks, Vargas nos apresenta um artículo do francês Boris Vian, no qual ele demonstra sua devoção por Duke Ellington e o sempre presente ‘La vuelta al piano de Thelonious Monk‘, extraído do livro ‘La vuelta al día en ochenta mundos‘, de Julio Cortázar, para quem o jazz acabou modelando sua criação literária.
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